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Criatura do RJ preenche lacuna evolutiva
Brasileiros dizem ter provado que megamicróbio descoberto nos anos 1980 é primeira bactéria multicelular conhecida
O "Magnetoglobus", um ser
de água salgada formado
por 20 células, usa campos
magnéticos para se guiar,
como fazem alguns animais
EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma criatura que vive na lagoa de Araruama, no Rio de Janeiro, é tão diferente de tudo o
que a ciência já viu que levou
mais de 25 anos até que alguém
entendesse o que ela era.
Agora que já se entendeu, o
Magnetoglobus multicellularis
(literalmente, "bola magnética
multicelular") já pode ser devidamente apresentado. Ele vem
preencher um hiato evolutivo
que sempre separou os seres
procariontes (seres sem núcleo
celular definido) dos eucariontes (que têm núcleo definido).
"Descrevemos o organismo
como sendo uma bactéria multicelular", explica Henrique
Lins de Barros, físico do CBPF
(Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas) e co-autor do estudo descrevendo a criatura.
O artigo é capa da edição de
junho da revista "International
Journal of Systematic and Evolutionary Microbiology".
Para o pesquisador, está claro que o organismo estudado
por eles não é uma colônia, forma pela qual as bactérias também podem se organizar. "Não
é uma por uma série de motivos. Quando uma das células é
retirada, por exemplo, o organismo morre. Existe troca de
informações entre as células,
elas não são independentes."
No flagra
"Em média, os organismos
estudados pelo nosso grupo, todo brasileiro, têm 20 ou 40 células", explica o físico. Esses
dois tamanhos -um exatamente o dobro do outro- intrigaram os cientistas. O mistério
só foi elucidado quando o ciclo
de reprodução dessa nova espécie passou a ser entendido.
"As células vão crescendo em
volume ao mesmo tempo. Em
um determinado momento
elas sofrem uma divisão, dando
origem a seres de 20 células",
afirma o pesquisador. Os Magnetoglobus de 40 células haviam sido, digamos, apanhados
em pleno ato reprodutivo.
Uma das hipóteses defendidas pelo grupo brasileiro, formado também por pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da
USP (Universidade de São Paulo), é que o Magnetoglobus possa ser uma forma de vida intermediária entre as bactérias e os
demais seres vivos.
"Até hoje existe um dogma
de que não pode haver bactérias multicelulares. Talvez porque até hoje nunca havia sido
observada uma delas", afirma
Lins de Barros.
O organismo fluminense tem
uma outra característica por
enquanto inédita na natureza.
Ele produz ao mesmo tempo
dois tipos de cristal com ferro,
a magnetita e a greigita. Apesar
de esses processos de biomineralização serem bastante conhecidos, a produção de ambos
os cristais por um único organismo ainda não fora descrita.
Essas estruturas ajudam o
Magnetoglobus a responder, e
de forma bastante rápida, a
campos magnéticos. Segundo
Lins de Barros, esse fenômeno
é usado pelo organismo para se
mexer mais rapidamente, em
busca de alimento na areia.
"Como cada uma das células
responde ao campo magnético
de forma independente, mas de
maneira que uma colabora com
a outra, é mais uma prova de
que essa bactéria multicelular
tem uma unidade biológica". O
físico fez um modelo matemático para reproduzir o deslocamento do organismo.
O material genético da megabactéria também afasta a hipótese de que se trata de uma colônia, diz o grupo: ele não é
igual em cada célula, como seria o esperado.
O desafio agora é dominar o
metabolismo dessa criatura para que ela possa ser cultivada
em laboratório -algo que não
se consegue fazer desde a descoberta do ser, em 1982. Isso é
importante para que a descrição científica feita do organismo pelos brasileiros seja confirmada por outros grupos.
Por enquanto, o nome da
bactéria leva em si um grau de
incerteza: Candidatus Magnetoglobus multicellularis.
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