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Cientista ataca Big Bang e visão "estreita" dos físicos
Para Mário Novello, muitos viraram apenas "técnicos muito competentes'
Pesquisador critica a
preocupação excessiva
com carreira e prêmios;
para ele, dados poderão
provar Universo eterno
DE SÃO PAULO
Para Mário Novello, físico
do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro, a cosmologia virou,
com frequência, "uma coisa
trivial, simplesmente saber
qual porcentagem de matéria dessa categoria ou daquela tem no Universo".
Tão preocupante quanto
isso, diz, é o esnobismo dos
cientistas com a filosofia e a
metafísica, que os impede de
refletir sobre o que fazem.
São apenas "técnicos extremamente competentes".
Novello está lançando o livro "Do Big Bang ao Universo
Eterno" (Zahar), que resume
sua defesa da ideia de que o
Big Bang não foi o começo de
tudo. Segundo ele, essa interpretação está conquistando
cada vez mais físicos. Confira
a entrevista abaixo.
(RICARDO MIOTO)
Folha - A ideia de um universo eterno está conquistando
os físicos?
Mário Novello - Ninguém
tem dúvidas de que o Universo esteve muito condensado
no passado. O problema foi a
identificação daquele momento, em que começa a expansão, como o começo de
tudo. Sou contra definir o Big
Bang como o marco zero. Isso
é contra a atitude científica.
Mas o cenário está mudando.
Entre os cientistas há uma
tendência a aceitar que chegou o momento de ir além do
Big Bang como o começo.
Mas, quando jovem, o sr. não
era partidário do Big Bang como o começo de tudo?
Eu não era. Era uma questão de princípio. A ciência é a
tentativa de explicar racionalmente tudo que existe. Eu
sabia muito bem que a ideia
de singularidade [a concentração de toda a massa do
Universo em um único ponto
que teria dado origem a tudo
que se conhece] significava
abdicar de fazer ciência ao
longo de toda a história do
Universo, significava dizer
que a ciência tinha limite. Eu
não podia aceitar isso.
Na minha época, havia
uma visão global do que era
atividade humana. Havia cadeira de filosofia, de sociologia, tínhamos contato com o
mundo. Existe uma falta de
fundamentos, hoje, do que é
fazer ciência. Você pode ser
um técnico extremamente
competente, mas fora da
área técnica pode ser um ignorante completo, sem saber
o que está por trás do que você está fazendo na sua área.
Mas aparentemente a maioria dos físicos ainda discorda
do sr. sobre o Big Bang...
Se você entrevista cem físicos, 98 dizem que o Big Bang
é verdade e dois malucos dizem que não. É razoável que
a mídia fique em dúvida. Primeiro você precisa ver quem
são essas pessoas. Eu criei a
cosmologia no Brasil, tive
mais de 50 alunos de doutorado, você precisa ver que
não sou um bobo. Mudanças
são lentas. E você sabe que os
cientistas são extremamente
reacionários.
Ser minoria não incomoda?
Quando você faz ciência,
você precisa dialogar com a
natureza, e não com os seus
colegas. Se o seu objetivo é
ganhar uma bolsa, ganhar
fama, ganhar prêmio, isso
não é ciência. Pode ser no
mundo em que a gente vive.
Estou pouco me importando
com a opinião dos outros.
Mas isso não significa isolacionismo, porque publico em
revistas científicas.
Mas o senhor já tem uma carreira estabelecida. Um doutorando não deveria se preocupar com os pares?
Não deveria. Se ele começa
a se preocupar lá, vai se preocupar a vida toda. Hoje em
dia a cosmologia virou uma
coisa trivial, ridícula, simplesmente saber qual porcentagem de matéria dessa
categoria ou daquela tem no
Universo. Isso não tem interesse nenhum. Quando começa a entrar nesse estágio,
é o momento de mudar.
É possível fazer com que os
cientistas se preocupem menos com os pares?
Ainda não conseguimos
controlar a vaidade. É um sistema todo de premiação, bolsa disso, prêmio Nobel, tudo
valoriza o indivíduo. E dá impressão de que, se você não
valoriza o indivíduo, ele não
vai fazer nada. E o prazer em
fazer as coisas? O Garrincha
dava de dez a zero em qualquer um desses caras aí de
hoje em dia. E morreu com
dez mil réis no bolso.
Você vai dizer que o exemplo que eu estou dando é de
um maluco, uma pessoa totalmente pirada, uma mentalidade que nunca saiu dos 12
anos de idade. Tudo bem, é
um exemplo extremo. Mas
mostra que algo se perdeu.
Mas a vaidade sempre existiu, não?
Sim, claro, sempre existiu.
Nem estou dizendo que o sistema, antigamente, era diferente. O que estou querendo
dizer é que a razão pela qual
Newton fazia aquilo não tinha nada ver com a razão pela qual um bolsista faz as coisas hoje em dia.
No caso do Big Bang, há expectativa de que alguma observação possa dar mais respostas sobre a sua legitimidade como marco zero?
Sim. Já foi lançado o satélite Planck. Ele, nos próximos
anos, poderá ajudar a dizer,
observacionalmente, se houve uma fase anterior ao colapso. Existe uma possibilidade de que o Universo esteja se acelerando. Ela surgiu
de uns dez anos para cá. Isso
não bate com as previsões do
Big Bang como singularidade, como começo de tudo. Se
o Universo estiver se acelerando, então aquilo que sustentou durante mais de 25 ou
30 anos o Big Bang acabou.
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