|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Físico concebeu bases
da biologia molecular
ROBERT OLBY
ESPECIAL PARA A FOLHA
Com a morte de Francis Crick,
em 28 de julho de 2004, perdemos
um gigante intelectual do mundo
da ciência do século 20. Ainda na
casa dos 30 anos, quando ingressou no campo da biologia como
estudante pesquisador, Crick passou a dominar o campo emergente da biologia molecular. Com sua
mente brilhante e imaginativa,
curiosidade intensa, julgamento
arguto e memória notável, tornou-se o principal arquiteto da
estrutura teórica dessa disciplina.
Embora tenha se formado em
física, sua mente inquiridora migrou para outras disciplinas e acabou se fixando na biologia. Nessa
área, Crick avaliou que era preciso
trabalhar ao nível molecular para
que se fizesse progresso significativo. Essa busca ele levou adiante
por mais de um quarto de século
no Laboratório de Biologia Molecular do Conselho de Pesquisas
Médicas, em Cambridge.
Quando estava perto da idade
de se aposentar no Reino Unido,
transferiu-se para o Instituto Salk,
em La Jolla, Califórnia, onde passou a se dedicar ao estudo do cérebro e da base neural da consciência. Esse trabalho fez de Crick
uma figura de alta visibilidade no
campo da ciência neurológica.
Francis Harry Compton Crick
nasceu em Northampton, Reino
Unido, em 6 de junho de 1916. Estudou física no University College, em Londres. Sua pesquisa de
doutorado foi interrompida pelo
início da guerra, e Crick foi trabalhar para a Marinha.
Quando decidiu voltar à pesquisa, optou pela biofísica, destacando duas questões: a diferença entre os vivos e os não vivos e a natureza da consciência. Os longos
anos que passou na pesquisa permitiram estudar ambos os temas.
Crick se mudou para Cambridge e trabalhou primeiro num projeto de citologia, antes de entrar
para a Unidade do Conselho de
Pesquisas Médicas, de Max Perutz, no Laboratório Cavendish.
Ali ele aprendeu sozinho a trabalhar com cristalografia dos raios X
e contribuiu para os estudos de
proteínas feitos pela unidade.
Convencido de que a notável individualidade dos diversos tipos
de proteína possui um plano de
construção subjacente simples,
Crick acreditava que sua intricada
forma tridimensional deveria ser
baseada na seqüência das unidades ao longo das cadeias que as
constituem. Essa visão formou a
base de seu trabalho sobre a natureza da síntese das proteínas e do
papel do DNA (ácido desoxirribonucléico) na determinação da
constituição das proteínas.
Quando o biólogo americano de
pós-doutorado James Watson foi
à unidade de Perutz, em 1951, formou uma parceria com Crick e,
juntos, eles propuseram uma estrutura para o DNA. Baseada no
trabalho experimental de Rosalind Franklin e Maurice Wilkins,
de Londres, sua estrutura sugeria
modos pelos quais seria possível
"ver", ao nível molecular, processos tão fundamentais quanto a
duplicação dos cromossomos, a
mutação de genes e a armazenagem da informação hereditária.
Publicada em 1953, foi apenas
em 1958 que a estrutura Watson/
Crick do DNA começou a ganhar
ampla aceitação, na medida em
que as previsões baseadas nelas
foram sendo comprovadas. Naquele ano foi publicado o manifesto de Crick sobre a síntese das
proteínas. Nele Crick apresentou
seu conceito sobre a estrutura teórica da biologia molecular.
Sua teoria girava em torno de
duas hipóteses centrais: a "hipótese da sequência" e o "dogma central". A primeira expressava a dependência da seqüência de subunidades que compõem as proteínas, os aminoácidos, da sequência de subunidades no DNA, as
bases. O dogma central afirmava
que a transferência de "informações", isto é, a sequência, passa
dos ácidos nucléicos às proteínas,
mas não no sentido inverso.
Essas hipóteses formaram a estrutura geral dentro da qual puderam ser determinadas as grandes
linhas do mecanismo da síntese
das proteínas e o código genético
pôde ser descoberto.
O estilo de trabalho de Crick
sempre foi colaborativo. Ele participou de diversos seminários,
manteve uma correspondência
internacional grande, aconselhando e fazendo críticas ao trabalho de outros, e atuou como
"intermediário honesto", reunindo pesquisadores que se beneficiariam dessa interação.
Crick alcançou a fama internacional no final dos anos 1950 e, em
1962, recebeu o Prêmio Nobel. Ele
procurava se manter longe da
atenção pública, para preservar o
máximo possível de seu tempo
para a pesquisa. No entanto, seu
compromisso com o humanismo
científico o levou a proferir palestras ocasionais perante a Sociedade Humanista. Tendo perdido a fé
cristã enquanto ainda era menino, ele queria usar a ciência para
decifrar os mistérios que oferecem um refúgio aos fiéis.
Descobrir como a vida pode ter
se originado e como a consciência
é produzida faziam parte dessa
agenda. Se a origem da vida está
em uma evolução molecular, por
que evocar um ato sobrenatural?
Se a consciência não é mais do
que uma história complexa sobre
neurônios que disparam, onde está a alma? Foi esse o tema de seu
último livro, "The Astonishing
Hypothesis", e foi nisso que ele
trabalhou até o fim de sua vida.
Crick recebeu homenagens e
honras diversas e dividiu o Prêmio Nobel com Maurice Wilkins
e James Watson. Foi eleito membro da Royal Society em 1959, e
em 1995 recebeu a Ordem do Mérito da rainha Elizabeth. Crick casou-se em 1940 com Doreen
Dodd, com quem teve um filho,
Michael. Divorciado em 1949, casou-se em seguida com Odile
Speed, e teve duas filhas, Gabrielle
e Jacqueline.
Robert Olby é professor emérito da Universidade de Pittsburgh (EUA) e autor de
"The Path to the Double Helix", um clássico sobre a descoberta da estrutura da
molécula de DNA
Tradução de Clara Allain
Texto Anterior: Memória: Morre Crick, pioneiro do DNA, aos 88 Próximo Texto: Opinião: Entre os heróis da ciência Índice
|