São Paulo, domingo, 30 de julho de 2006

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Pirataria à deriva

Historiografia recente oscila entre tratar piratas como líderes rebeldes ou assassinos sem moral

Walt Dysney Pictures
O capitão Jack Sparrow, personagem interpretado pelo ator Johnny Depp no filme "Piratas do Caribe 2"


RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL

Piratas não eram sujeitos simpáticos, por mais que Hollywood tente mostrar que sim. Seja com Errol Flynn nos anos 1930, seja com Johnny Depp em "Piratas do Caribe 2", as audiências são enganadas sobre as características reais destes senhores.
Piratas eram quadrilheiros assumidos, sanguessugas por hábito e assassinos sem remorsos. Alguns pagavam mensalão para autoridades governamentais os ignorarem. E, como bons bolcheviques antes da hora, defendiam a igualdade no lugar da liberdade. A história deixou claro como eram pragas. Mesmo a historiografia recente -mais politicamente correta, que vê neles uma "revolta social"- os reconhece como matadores e estupradores.
Isso é o que se sabe pelos livros e documentos. A arqueologia náutica pretende dar uma nova visão da coisa, mas, como costuma ser com os achados subaquáticos, surgem mais dúvidas do que respostas.
Um dos mais famosos piratas, o inglês Edward Teach (1680-1718), apelidado de Barba Negra, teria começado legalmente na profissão. Pois havia uma distinção entre o pirata "legal" e o "ilegal".
Dentro da lei, um marinheiro poderia depredar o comércio marítimo do inimigo do seu país em caso de guerra. Nesse caso era chamado "corsário" -como foi o francês René Duguay-Trouin, que tomou o Rio de Janeiro em 1711 e ameaçou pôr fogo no balneário caso não fosse pago um resgate. Foi.
Se um corsário continuasse a coisa em tempo de paz, viraria "pirata" -ainda mais se passasse a atacar qualquer navio, de qualquer nacionalidade, incluindo a de seu país. "Barba Negra" teria sido corsário durante essa mesma guerra com a França que viu o saque do Rio, mas virou pirata com a paz.
Era bandido, mas com pistolão. Tudo indica que teria sido cúmplice do governador da Carolina do Norte, sul dos EUA, a quem pagava na época uma espécie de "mensalão". Mas o "Barba" criou um inimigo logo ao lado com suas depredações. O governador da vizinha Virgínia despachou navios contra ele. Teach morreu em combate, mas depois de aprontar uma malandragem das boas.
Navios piratas costumavam ser pequenos, comparados com os mercantes ou os de guerra. Para economizar, os mercantes tinham tripulações diminutas e número reduzido de canhões. Bastava a ameaça de um navio pirata pequeno, mas repleto de canhões e bandidos, para se renderem. Com isso, os capitães-pirata adquiriam um navio maior, que armavam melhor e tripulavam mais.
Foi exatamente o caso do "The Queen Anne's Revenge", de Barba Negra. Ele tinha sido um navio-negreiro francês chamado "Concorde" e armado com 14 canhões. O pirata o capturou e acrescentou mais 26 canhões de vários calibres.
oi, por um momento no tempo e no espaço, o mais poderoso navio. Barba Negra o usou para bloquear o porto de Charleston, na Carolina do Sul, EUA, em maio de 1718, mas no mês seguinte o navio encalhou e foi abandonado.
Historiadores acreditam que isso foi apenas um truque do pirata para se livrar de parte da tripulação sem ter que pagar sua parte dos saques. (Piratas eram igualitários. Todos tinham direito a parte dos saques, embora a parte do capitão fosse maior.) Além disso, ficando com todo o espólio ele poderia retomar sua atividade comprando um navio menor e mais ágil.
O navio de Barba Negra foi achado e estudado por arqueólogos a partir do final da década de 1990. Foi identificado como o "The Queen Anne's Revenge", o que fez maravilhas para o turismo da Carolina do Norte.
Mas recentemente outros pesquisadores colocaram em dúvida essa identificação.
O problema é a má conservação dos restos da embarcação. Pedaços do casco poderiam indicar uma adaptação de navio mercante a navio pirata -como novos cortes no casco para uso como canhoneiras adicionais, ou a falta de castelos de proa e popa (estruturas retiradas para dar mais espaço para abordagem, além de diminuir a resistência ao vento).
Mas não há certeza disso, nem mesmo sobre o número de canhões descobertos ou sobre os objetos de uso cotidiano ou sobre restos de ouro achados a bordo.
Foram poucos os navios piratas descobertos no fundo do mar -três, quatro ou cinco, dependendo ainda de confirmação. E nem sempre por arqueólogos, mas principalmente por empresas mercantis atrás de "tesouros".
A pirataria continua, portanto. De várias formas.


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