São Paulo, domingo, 30 de agosto de 2009

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Marcelo Leite

Árvores e florestas


Apenas 10% da taiga se encontra protegida sob a forma de reservas

Quando se fala em florestas e seu efeito sobre o clima planetário, as pessoas pensam logo nas florestas tropicais. Com isso, quase sempre vêm à mente a Amazônia e, claro, o Brasil. Afinal, o território do Brasil abriga a maior floresta do mundo, correto? Não.
A maior área florestada da Terra está milhares de quilômetros ao norte.
Cobre quase toda a faixa de altas latitudes boreais, entre os paralelos 53 e 67 Norte. Vale dizer, a maior parte do Canadá e da Rússia.
O nome correto dessa floresta em que predominam coníferas (árvores com folhas na forma de agulhas) é taiga, embora seja também chamada de floresta boreal. Só na Rússia há 9 milhões de quilômetros quadrados de taiga, uma área maior que a do Brasil.
A floresta amazônica nacional tem menos da metade disso.
Sozinha, a taiga representa um terço da superfície de floresta do mundo. Ela guarda também um terço do carbono estocado em ambientes terrestres, na forma de madeira, folhas, raízes, matéria vegetal e micro-organismos do solo. Destruída, o que não tem chance de acontecer no tempo de vida do leitor, lançaria 550 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera, com reforço devastador ao aquecimento global. A taiga não está nem de longe ameaçada como a floresta amazônica, mas isso também não quer dizer que esteja segura. O alerta sobre o risco que corre a mata boreal foi lançado na semana passada por Corey Bradshaw, Ian Warkentin e Navjot Sodhi no periódico científico "Trends in Ecology and Evolution" (simpaticamente abreviada "Tree", árvore, em inglês).
Eles estimam que só uns 44% da taiga sejam compostos de áreas realmente intactas, talhões com pelo menos 500 quilômetros quadrados que não sejam cortados por estradas, oleodutos, gasodutos, represas ou linhas de transmissão de eletricidade.
Apenas 10% da taiga se encontra protegida na forma de reservas (mais de 40% da Amazônia brasileira está nessa condição).
Há indícios fortes de que o fogo -uma ocorrência natural na taiga- venha consumindo áreas cada vez maiores desse bioma boreal. Só na Rússia foram 75 mil quilômetros quadrados em 2002 e 145 mil quilômetros quadrados em 2003, duas a três vezes mais que a média anual desde 1950. E 87% desses incêndios teriam sido iniciados por seres humanos, por exemplo ao longo de estradas. Para piorar a situação, a taiga se encontra justamente na região do planeta -altas latitudes do hemisfério Norte- em que a temperatura mais deve subir sob efeito do aquecimento global. Projeta-se um aumento de 5C a 10C neste século.
O Alasca, onde está a parcela americana da floresta boreal, já tem invernos em média 4,5C mais quentes que meio século atrás.
Ninguém sabe direito qual será o efeito desse aquecimento sobre a taiga. Temperaturas mais altas acelerarão a decomposição de material orgânico, liberando carbono na atmosfera.
Incêndios deverão tornar-se mais frequentes, mas a perda de floresta aumentará a área coberta de neve, que reflete a radiação solar, contrabalançando parte do aquecimento...
Bradshaw, Warkentin e Sodhi defendem que o papel crucial da taiga na armazenagem de carbono justifica a criação de extensas áreas protegidas: "Essas grandes reservas florestais são possíveis em florestas boreais do Canadá e da Rússia, e argumentamos que esses países, em particular, têm uma responsabilidade moral e global de criar tais reservas".
Parece até que os autores estão falando do Brasil.


MARCELO LEITE é autor de "Darwin" (série Folha Explica, Publifolha, 2009) e "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008). Blog: Ciência em Dia ( cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br ).
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br


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