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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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Ciência em Dia

Tamanho e documento da pesquisa brasileira

Marcelo Leite
editor de Ciência

Saiu há pouco pela Editora Unicamp (www.editora.unicamp.br) o volume "Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil", organizado por Eduardo Baumgratz Viotti e Mariano de Matos Macedo (616 págs., R$ 90). São 12 ensaios de interesse para todos quantos se interessarem por diagnósticos apoiados em estatísticas sobre o desempenho ímpar da pesquisa científica nacional.
A produção brasileira cresce a olhos vistos, mas nem por isso ganhou a projeção que só os ufanistas conseguem enxergar. Muitos dados e análises do catatau da Unicamp são conhecidos, mas revisitá-los ajuda a conservar algum senso de realidade. O Brasil publica apenas 1,44% da pesquisa mundial.
O dado foi aferido pelo critério consensualmente havido como o menos problemático: artigos aceitos por publicações indexadas pela empresa Thomson ISI (www.isinet.com). A organização mantém o principal banco de dados de publicações e estatísticas que instrumenta a chamada cientometria. Em 2002, havia 8.569 periódicos nessa liga de elite, 66,5% deles de ciências "duras", as naturais. (Que fique por ora de lado o questionamento da idéia algo tacanha de ciência por trás desses números, claramente colonizada pelo reducionismo materialista característico da física, da química e da biologia da moda, a molecular.)
Esse 1,44% brasileiro pode parecer insignificante, mas não é. Primeiro, porque o dado estático elide um desenvolvimento histórico: em duas décadas, essa participação passou de 0,44% para 1,44%. Em números absolutos, de 1.889 artigos em revistas indexadas no ano de 1981 para 10.555 em 2001 -um aumento de mais de cinco vezes. Segundo, porque a taxa de crescimento no número absoluto de artigos brasileiros, da ordem de 400%, foi superior à média mundial, de 66%.
O desempenho nacional no âmbito da América Latina, como anotam Jacqueline Leta e Carlos Henrique de Brito Cruz no terceiro ensaio, também foi acima da média, porque o aumento de artigos da região ficou em 300%. Com isso, a participação da ciência brasileira no total publicado por latino-americanos passou de 33,3% para 42,1%.
Fenômeno semelhante de predomínio regional ocorre dentro das fronteiras nacionais. Os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro concentram 70% da pesquisa brasileira que passa por esse crivo internacional. Mas atenção: Minas Gerais saltou de 6% para 10% do total doméstico, e o Rio Grande do Sul, de 6% para 8%.
Assinalando que apenas três universidades públicas (USP, Unicamp e UFRJ) respondem por quase a metade da produção nacional de conhecimento científico, Leta e Brito Cruz atacam diretamente, à pág. 143, a peça de resistência (ou de propaganda) de Roberto Amaral à frente do Ministério da Ciência e Tecnologia: "Esta tendência à concentração indica que programas que visem a descentralização da ciência no Brasil podem ter alto custo e não ter efeitos práticos".
A surpresa maior, ao menos para leigos, fica com a distribuição entre áreas de conhecimento. A julgar pela projeção pública dos últimos anos, deveria dar biologia molecular e genética na cabeça, mas as campeãs são as mais estabelecidas ciências agrárias (3,07% da produção mundial) e física (2,04%). Sinal de que investimentos em pesquisa são de longa, longuíssima maturação, e de que o dever maior de seus administradores é o de não abortar o desenvolvimento consistente das últimas décadas.

E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


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