São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2008

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Tataraneto de Darwin refaz rota do ancestral no Brasil

Durante expedição pelo interior do Rio, Randal Keynes "enfrenta" criacionistas

Viagem para comemorar os 200 anos de publicação de "A Origem das Espécies", em 2009, incluiu 12 cidades que pai da evolução visitou

Rafael Andrade/Folha Imagem
O lingüista Randal Keynes

ITALO NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DO RIO

Quatro gerações após o naturalista Charles Robert Darwin observar animais e plantas no interior do Rio e iniciar a viagem que o inspirou a criar a teoria da seleção natural, um de seus descendentes pôde colher evidências daquilo que a tese de seu ancestral provocou: o debate entre religião e ciência.
O lingüista Randal Keynes, 60, tataraneto de Darwin, participou na semana passada da expedição "Caminhos de Darwin", organizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a Casa da Ciência da UFRJ e o Departamento de Recursos Minerais do Rio para realizar eventos com estudantes nas 12 cidades por onde Darwin passou no Estado. O evento integra as comemorações no Brasil do Ano Darwin, 2009, bicentenário da publicação de sua obra-prima "A Origem das Espécies". Keynes assistiu até a um julgamento da seleção natural.
Aos 22 anos, em 1831, Charles Darwin embarcou no HMS Beagle, navio britânico que tinha como objetivo identificar rotas de navegação. Durante a viagem, de cinco anos, escreveu um diário -publicado depois no livro "A Viagem do Beagle".
As observações basearam a elaboração da teoria da seleção natural como mecanismo evolutivo. A tese sofreu resistência da igreja, pois eliminava a necessidade de ação divina para a produção das espécies.
Darwin ficou 93 dias no Rio, 16 deles no interior -o navio também passou por Salvador, Recife e Fernando de Noronha.

Tribunal
Os estudantes Gabriel de Martim, 12, e Lucas da Silva Siciliano, 12, sintetizaram a discussão mantida -explícita ou veladamente- nas cidades visitadas. Os dois representaram, respectivamente, Darwin e um papa numa peça em Araruama que encenava um "julgamento" sobre a teoria darwinista.
"Toda vez que trabalhamos a teoria da evolução, a turma se divide. Decidimos mostrar esse debate", disse Marcos Barbosa, professor de história.
Keynes disse ter visto uma boa recepção ao aprendizado da teoria de Darwin. Para ele, a seleção natural e religião não são incompatíveis. "O problema [de algumas pessoas] é aceitar que humanos estão intimamente ligados a animais. Temos de aceitar nossa natureza humana e animal."
Em Maricá, Marcos Lacerda, professor de biologia, afirmou que pode até perder o posto de paraninfo de uma turma após ensinar a teoria em sala de aula. "Tem aluno que carrega a Bíblia embaixo do braço."
Já em Conceição de Macabu, Keynes assistiu a uma peça organizada por uma criacionista: Elieth Figueira, diretora da escola onde foi realizada a recepção ao descendente de Darwin.
"Eu não gostava de Darwin. Depois que soube que ele passou pela cidade, passei a admirá-lo. Mas continuo não concordando com a teoria."
O criacionismo ganhou força no Rio principalmente após a ex-governadora evangélica Rosinha Matheus instituir a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas estaduais.
"Não é possível dizer que a questão religiosa dificulta a aprendizagem da teoria de Darwin, já que o ensino como um todo é deficiente. Mas é um obstáculo. A interferência de alguns padres e pastores dificulta a convivência da teoria com a crença religiosa", disse a bióloga Sandra Selles, da Universidade Federal Fluminense.
Ao que tudo indica, Darwin e a religião continuarão a dividir o mesmo espaço. A Fazenda Itaocaia -um dos locais por onde ele passou- pertence agora a Manoel Nunes dos Santos, 60, um empresário que se orgulha de mostrar a sua carteirinha de missionário da igreja Ministério Restaurando Vidas.
Ele diz não conhecer a seleção natural. Crê em milagres e na criação divina, mas não se importa com o que dizem de Darwin e quer manter a fazenda onde o cientista almoçou. "É história. Tenho de preservar."


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