São Paulo, domingo, 31 de janeiro de 2010

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CNPq deve reforçar elos com empresas, afirma presidente

Iniciativa privada pode ter papel no custeio da formação de recursos humanos, diz chefe recém-empossado do órgão

Para Aragão, é preciso ter equilíbrio entre pesquisa básica e aplicada; físico critica quantificação rígida da produção de ciência

CNPq
O físico Carlos Alberto Aragão, da UFRJ, acaba de assumir como novo presidente do CNPq

RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL

A iniciativa privada será fundamental para aumentar os recursos do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), principal órgão de fomento à pesquisa no país, diz seu novo presidente, Carlos Alberto Aragão. Para ele, é ultrapassado pensar que universidade e empresas não combinam. Áreas como energia e nanotecnologia devem ser prioridade, mas Aragão evita dizer que as outras poderiam receber menos dinheiro.
Físico de partículas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Aragão critica métodos demasiado quantitativos de avaliar a produção científica e diz que não é possível saber se bolsas de pós-graduação terão reajustes. Leia a entrevista.

 


FOLHA - Vem faltando dinheiro para o CNPq nos últimos tempos?
CARLOS ARAGÃO - O ano passado foi um ano difícil. O orçamento do CNPq, pela lei orçamentária, veio abaixo do que foi necessário. Começamos com R$ 830 milhões. Ao longo do ano, tivemos um reforço. Com dinheiro de outras fontes, executamos R$ 1,678 bilhão.

FOLHA - É pouco?
ARAGÃO - A pressão por novos programas e mais recursos é sempre muito grande. O CNPq nunca trabalha com folga.

FOLHA - Mas melhorou para este ano? Ou ainda há preocupação?
CARLOS ARAGÃO - Nós temos preocupação, sim, com o orçamento, mas neste ano ele está melhor do que no ano passado. Já começamos com R$ 1,08 bilhão. É o maior orçamento que o CNPq já teve. Com o espaço que temos para correr atrás de mais recursos, esperamos que, no final, exista um aumento em relação ao ano passado.

FOLHA - Pós-graduandos podem sonhar com aumentos nas bolsas, então?
CARLOS ARAGÃO - É sempre bom subir. Estamos aqui estudando o quadro atual e vamos ver o que vai ser possível fazer no orçamento. A gente tem consciência de que os valores já foram reajustados, tem se procurado reajustar de forma mais ou menos regular, sempre que existe uma folga orçamentária. Vontade sempre tem. Mas eu não poderia dizer agora que possibilidades nós vamos ter em relação a esse ano.

FOLHA - O sr. considera os valores atuais razoáveis?
CARLOS ARAGÃO - A bolsa de doutorado é de R$ 1.800, por exemplo. Esse valor depende muito de onde a pessoa faz seu doutorado. Em uma cidade maior como São Paulo ou Rio, o custo de vida é mais alto.

FOLHA - O CNPq deve investir mais em ciência aplicada do que em ciência com utilidade prática menos imediata?
CARLOS ARAGÃO - Não podemos correr o risco de despir um santo para vestir o outro. Existem áreas estratégicas, ligadas à energia, ao clima, áreas importantes para a indústria, como a nanotecnologia, áreas interdisciplinares, áreas que ainda são incipientes no país. Claro que a restrição orçamentária é um dado concreto, em um momento em que você tem de tomar uma decisão. Mas o investimento em uma não pode ser feito em detrimento das outras.

FOLHA - Mesmo porque nunca sabemos de onde virá a inovação...
CARLOS ARAGÃO - Sim. Um terço do PIB de países desenvolvidos hoje em dia está ligado à mecânica quântica, que era algo considerado pesquisa ultrafundamental no passado.

FOLHA - Sobre inovação, o sr. fala bastante em aproximação com empresas.
CARLOS ARAGÃO - É importante atrair as empresas, mesmo para oferecer recursos para a formação de pessoal. Veja a exploração do pré-sal, por exemplo. Para fazer isso você precisa de gente qualificada, de cientistas, de engenheiros. Senão vai ter de importar gente. Temos de convencer as empresas como a Petrobras que elas vão ter de se aproximar do CNPq.

FOLHA - Muita gente não gostava de ouvir falar em iniciativa privada nas universidades. Isso está mudando?
CARLOS ARAGÃO - Está havendo uma mudança cultural. Leva um certo tempo, mas a ideia que existia na universidade de que o pesquisador que trabalhava com uma empresa estava fazendo algo condenável, desvirtuando a sua missão, é cada dia mais ultrapassada.

FOLHA - Sobre avaliação dos docentes, há como comparar pesquisadores que trabalham em áreas diferentes utilizando métodos quantitativos?
CARLOS ARAGÃO - É uma discussão global. Claro que as áreas são diferenciadas. Um sujeito de matemática tem um ritmo diferente, talvez leve mais tempo para publicar um trabalho, por exemplo. A avaliação não pode ser só quantitativa. Uma coisa que quero fazer no CNPq é avançar nisso.

FOLHA - Mas o qualitativo não é subjetivo demais? Não permite a formação de panelinhas de pesquisadores?
CARLOS ARAGÃO -
O quantitativo também pode ser tão panelinha ou até pior, não? As fraudes científicas começaram a aumentar na China por quê? Por causa da pressão para publicar. Então começa a haver aquilo de o sujeito publicar junto com o outro, eu cito você para depois você me citar nos seus trabalhos. Tanto o qualitativo quanto o quantitativo precisam ser considerados. As avaliações do CNPq têm um bom desempenho. Mas podem ser aprimoradas, sim.


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