São Paulo, domingo, 31 de maio de 2009

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Relatividade confirmada

Eclipse histórico visto em Sobral há 90 anos colocou o Brasil na história da comprovação da teoria de Einstein

Observatório Nacional do Rio de Janeiro
Reprodução de umas das chapas fotográficas obtidas
durante o eclipse do dia 29 de maio de 1919 a pártir de
Sobral, no Ceará


EDUARDO GERAQUE
DA REPORTAGEM LOCAL

Há 90 anos, mais precisamente no dia 29 de maio de 1919, o céu escureceu sobre a pequena Sobral. A cidade do interior do Ceará tinha na época apenas 4.000 habitantes.
Em curso, um dos mais importantes eclipses do Sol que se tem notícia, pelo menos, para os físicos. A relevância do evento astronômico pode, até hoje, ser resumida em uma simples frase: seria ele suficiente para provar experimentalmente a teoria da relatividade do físico suiço-alemão Albert Einstein?
Um dos pilares da teoria da relatividade geral, pelo menos segundo seu autor, era o caráter curvo da trajetória da luz no espaço. Era essa verificação que se procurava obter com a observação do eclipse.
A ideia teórica do cientista, ainda bastante nova, era relativamente simples. Fazer duas fotografias do céu. Uma com um corpo maciço passando diante das estrelas, como ocorre em um eclipse total do Sol, e outra sem esse mesmo corpo. A diferença aqui, portanto, é a ação da força da gravidade.
Ao comparar as posições das estrelas mais próximas desse corpo, bingo!
Se houvesse realmente o caráter curvo da trajetória da luz no espaço, as posições das estrelas nas chapas fotográficas seriam um pouco diferentes, dentro de valores previamente previstos por Einstein.
Porém, no eclipse em si, o físico não teve nenhuma participação prática. Foi o astrônomo inglês Arthur Eddington, na época, que resolveu montar duas expedições científicas.
Uma ao Brasil. Outra à Ilha de Príncipe, na costa ocidental da África Equatorial.
Mas a história das duas viagens seriam diferentes, como descreve o astrofísico Júlio César Penereiro, professor da PUC-Campinas, com base em relatórios da época.
"O dia 29 de maio amanheceu completamente nublado. Algumas horas depois, as nuvens se dissiparam e um clarão abriu entre elas. O Sol permaneceu nesse buraco durante praticamente todo o eclipse, possibilitando a realização de fotografias". Na costa da África, choveu torrencialmente.
Resultados práticos das duas missões: as chapas feitas no Brasil registraram 12 estrelas no campo de visão dos observadores. Na África, ocorreu o registro de metade. Mas a qualidade dos dois conjuntos de dados era bem diferente.
Em Sobral, além das visitas estrangeiras de Andrew Crommelin e Charles Davidson -Eddington preferiu a África- muito do sucesso da missão teve a ver com pesquisadores brasileiros, diz Antonio Augusto Videira, professor de física da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
O principal brasileiro envolvido na missão foi o astrônomo Henrique Morize, do Observatório Nacional do Rio de Janeiro. Até os moradores de Sobral tiveram que ficar em silêncio durante o evento para não atrapalhar as pesquisas.

Prova cabal?
Tudo finalizado, inclusive o processamento das chapas feitas em julho, também em Sobral, para comparar com as feitas em maio, vem o veredicto.
"O eclipse de Sobral "deu suporte" à teoria de Einstein e não "provou". A rigor nunca existe uma prova de que uma teoria foi comprovada, somente que ela sobreviveu a todos os testes até hoje", afirma Augusto Damineli, astrônomo e professor da USP (Universidade de São Paulo). Mas engana-se quem acha que o pesquisador faz coro com aqueles que sempre rebaixam a importância do experimento feito no Brasil.
"Ele sempre é bastante valorizado por toda a comunidade científica", diz. Os críticos, na verdade, quando colocam em xeque o experimento, atacam diretamente a figura de Eddington, que teria deturpado as medidas obtidas a partir das chapas fotográficas para dizer que Einstein estava correto.
Videira, que tem alguns artigos escritos sobre o tema, discorda. Porém, para ele, o eclipse de Sobral não pode ser classificado como a prova definitiva da teoria de Einstein.
"Em ciência tudo é um processo. É difícil existir um único movimento decisivo", afirma.

Guerra fria
O mundo acabara de sair de uma guerra. A fama de Einstein ainda estava sendo construída. Um era inglês. Outro alemão.
Apesar de Eddington adorar a relatividade, e parecer perceber que ela estava certa, seria ele capaz de distorcer dados a favor de um "inimigo"? E contra um conterrâneo histórico? Afinal, a tese de Einstein provada, significava a desaprovação da de Newton. "Ele era um pacifista. Tudo indica que realizou os experimentos com correção", diz Videira.
Se o título do jornal inglês "The Times", no dia 7 de novembro de 1919, pode parecer sensacionalista: "Revolução na Ciência - Nova Teoria do Universo - Ideias Newtonianas derrotadas", 90 anos depois, falar da fama de Einstein é trivial.
Mas o eclipse de Sobral, mesmo dentro do Brasil, continua precisando das suas efemérides para ser divulgado.


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