São Paulo, Sábado, 31 de Julho de 1999
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CIÊNCIA
Sigilo de teste de vacina anti-Aids é quebrado

DANIELA SANDLER
da Reportagem Local

Uma vacina anti-HIV a ser testada em humanos pela empresa farmacêutica norte-americana Merck no final deste ano, que vinha sendo mantida em sigilo, veio a público ontem por meio de jornais, revistas e redes de notícias dos EUA, após ser citada em um artigo da revista "Science".
A excitação dos meios de comunicação em torno da nova vacina contrasta com a reticência da Merck, que não fez anúncio oficial (segundo a empresa, a informação "vazou") e ainda envolve a vacina em mistério.
Por que, então, tanta animação, se várias vacinas vêm sendo testadas desde o começo dos anos 90 -boa parte delas sem resultados promissores?
"Talvez porque a Merck tenha passado muito tempo afastada da pesquisa de vacinas anti-HIV e agora tenha se voltado novamente para isso", disse à Folha, por telefone, o cientista Emilio Emini, o mais alto executivo do programa de vacinas da empresa.
"A notícia importante é que uma indústria não brinca em serviço", disse David Lewi, infectologista da Universidade Federal de São Paulo. "As vacinas estão meio abandonadas, restritas às universidades e à comunidade científica. A empresa não vai fazer investimentos para perder dinheiro."
Há motivos para acreditar que a vacina seja promissora. Como parte do procedimento científico usual, a empresa só decidiu investir nos testes em humanos após ter feito testes com animais -macacos, segundo a revista "Businessweek".
É possível presumir, portanto, que esses testes foram bem-sucedidos? Segundo uma porta-voz da Merck norte-americana, sim.
Nem ela nem Emini, no entanto, divulgam seus resultados, que ainda não foram publicados em revistas científicas.
"Não queremos criar expectativas indevidas", disse Emini. "Ainda é muito cedo."
De fato, também há motivos para cautela. "Muitas pesquisas de vacinas "morrem na praia". O HIV sofre muitas mutações. Por isso, é difícil desenvolver anticorpos que funcionem, que neutralizem o vírus", disse Lewi.
Muitas das vacinas testadas funcionaram em vírus reproduzidos em laboratório -e falharam em vírus retirados de seres humanos.
Segundo Jon Cohen, autor do artigo da "Science" (um panorama das pesquisas de vacinas anti-HIV), a busca por vacinas estagnou nos últimos cinco anos, pelo insucesso de testes prévios.
Emini limita-se a dizer que a vacina da Merck -aliás, vacinas, pois são duas- "tem uma abordagem nova, que ainda não pode ser revelada".
Ela é feita com pedaços do material genético (DNA) do vírus, inseridos no corpo para estimular a produção de células de defesa conhecidas como "supressoras".
Emini e a porta-voz da Merck disseram que os testes com humanos vão começar no final deste ano. Deverão verificar a segurança da vacina e a sua capacidade de provocar, em humanos, as mesmas respostas imunológicas observadas em animais.
Os testes serão feitos em diversos países do mundo, com um pequeno número de voluntários saudáveis, sem HIV. A duração prevista é de um ano a um ano e meio. Só depois será investigada sua eficácia em mais participantes -e os cientistas esperam ter de fazer vários ajustes.
Mesmo que tudo dê certo, a vacina anti-HIV ainda demora.
Dez anos? "Eu não ficaria surpreso se levasse todo esse tempo", disse Emini. "Mas pode ser mais. Ou menos."


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