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RIO +10
Países pobres temem que ampliação do princípio da precaução se torne barreira não-tarifária a seus produtos
União Européia agora atrasa negociação
ELIANE CANTANHÊDE
CLAUDIO ANGELO
ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO
A União Européia radicalizou
suas posições, ameaçando abandonar as comissões técnicas e jogar as negociações diretamente
para o nível ministerial, ontem,
no quinto dia da Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio +10). A UE passou a ser
considerada pelo Brasil, em alguns casos, um adversário até
maior do que os Estados Unidos.
O principal ponto da discórdia é
a exigência dos europeus de ampliar o princípio da precaução,
que permite não aceitar produtos
de outros países sem a garantia
prévia de que não apresentam riscos aos consumidores. O Brasil,
entre outros, teme que isso sirva
de pretexto para novas barreiras
não-tarifárias a produtos de países subdesenvolvidos.
O ministro Celso Lafer (Itamaraty), que chegou ontem a Johannesburgo, disse que essa posição
da UE "inspira preocupação, pois
pode dar margem a medidas protecionistas". Os países ricos vêm
sendo criticados por criarem subsídios internos e barreiras externas, favorecendo seus próprios
produtos e prejudicando os dos
parceiros comerciais.
O ministro citou um exemplo
concreto: ao rejeitar a carne brasileira no ano passado, o Canadá
argumentou que havia a epidemia da "vaca louca" no Reino
Unido e reivindicou o princípio
da precaução contra o Brasil.
"Foi uma aplicação injustificada, arbitrária", disse Lafer, que
ontem mesmo ouviu relatos dos
diplomatas brasileiros que participam das negociações e expressou a discordância do Brasil em relação à posição européia.
Sem consenso
A discussão sobre precaução durou cerca de cinco horas e varou a madrugada, encerrando-se apenas às 3h de ontem. A UE chegou a ameaçar "um locaute", nas
palavras de um diplomata, retirando-se das negociações e delegando o processo para um nível superior, dos ministros do Ambiente dos países.
A ministra da Venezuela, Ana Elisa Osorio, foi quem melhor
manifestou a indignação dos países do G-77, que reúne os pobres
ou em desenvolvimento, como o
Brasil. Conforme a Folha apurou,
ela foi dura: "Nós, ministros, não
viemos para cá escrever textos!"
Segundo o embaixador brasileiro na ONU, Gelson Fonseca, os
países europeus também apresentaram uma lista de 14 itens
sem consenso, que, para ele, "representam praticamente toda a
conferência".
Desses, a UE está radicalizando
principalmente em três: além do
princípio da precaução, também
na questão dos subsídios agrícolas e na exigência de inclusão de
grandes hidrelétricas para efeito
de contabilização da meta -proposta pelo Brasil- de 10% de
energia renovável em cada país.
"De certa maneira, os europeus
estão sendo mais radicais do que
os EUA", disse Fonseca, acrescentando que, em relação ao princípio da precaução, a posição brasileira e do próprio G-77 está mais
próxima da americana, que quer
incluir uma ressalva: "precaução
sempre que possível".
Reunidos ontem à tarde, no plenário do Sandton Centre, os ministros do Ambiente ratificaram a
posição de que não vão queimar
etapas e exigiram que o grupo técnico prosseguisse com as negociações.
No entanto, o abismo entre
União Européia e G-77 ficou um
pouco menor depois da reunião
de ontem à tarde. A UE aceitou
discutir a manutenção do chamado princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas
-um compromisso firmado no
Rio de Janeiro em 1992.
Em troca, o bloco dos países pobres aceitou debater metas para
água, saneamento e energia -a
última, uma proposta brasileira
que tem dividido o grupo e enfrentado fortes reações dos árabes
produtores de petróleo e resistências da UE e dos EUA.
A negociação, segundo o ministro brasileiro do Meio Ambiente,
José Carlos Carvalho, "foi a primeira aproximação da União Européia com o G-77".
Metas regionais
Lafer, que ontem conversou
com o vice-primeiro-ministro do
Reino Unido, John Prescott, entre
outros, defendeu o direito dos
países de questionarem metas
globais para situações em geral diferentes, particulares.
Citou como exemplo a meta de
energia e a de padrão de produção
e consumo, que são interligadas,
porque quanto mais produzem e
consomem, mais os países gastam também energia.
"Cada região tem suas potencialidades e necessidades, há realidades diferentes e talvez a meta regionalizada seja mais eficaz do
que a global", disse o ministro,
comparando com o próprio Brasil, onde as realidades da Amazônia e do Sul-Sudeste, por exemplo, são bastante diferentes.
"A regionalização, portanto, é
um dado a ser levado em conta",
disse Lafer. Ao seu lado, a ministra do Itamaraty Maria Luiza
Viotti, vice-presidente do Comitê
de Organização da Rio +10, tratou
de explicar: "Mas não abrimos
mão disso. Vamos até o fim com a
meta [de energia]".
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