São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008 |
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A idade da partilha
IGOR ZOLNERKEVIC COLABORAÇÃO PARA A FOLHA Justiça social se aprende no meio da infância, e aprende-se melhor ainda convivendo em pequenos grupos. Essas são as respectivas conclusões de duas pesquisas independentes com crianças, feitas por psicólogos da Suíça e do Brasil. Ernst Fehr, da Universidade de Zurique, e seus colaboradores propuseram jogos para 229 crianças de ambos os sexos, entre 3 e 8 anos de idade. Sozinhos com cada uma das crianças, os pesquisadores davam a elas duas opções. Em um dos jogos, por exemplo, as opções eram "dou um doce para você e nenhum para o seu amiguinho [mostrando foto de colega da escola]" ou "dou um pra você e outro pra ele". O resultado, divulgado semana passada pela revista "Nature", foi que, mesmo sempre ganhando um doce, a maioria das crianças entre 3 e 4 anos de idade escolheu a opção egoísta de ficar com doces só para elas. Por outro lado, a maioria das crianças entre 7 e 8 anos pensou em seus colegas e escolheu a opção altruísta. Mais do que generosidade, a análise dos resultados desse e dos outros jogos verificou que as crianças dessa faixa etária exigem que os doces sejam distribuídos igualmente entre os colegas. A tendência não existe quando a criança na foto não pertence ao seu grupo de colegas. Essas conclusões podem ser óbvias para pais e educado res.O objetivo da pesquisa, porém, foi verificar o senso comum e explicá-lo. "Alguns dos comportamentos que apresentamos hoje são resultado da seleção natural no passado", explica a psicóloga Maria Emília Yamamoto, da Universidade do Rio Grande do Norte. Embora o ambiente e o estilo de vida modernos sejam bem diferentes dos de nossos ancestrais remotos que viviam vagando pelas savanas africanas em pequenos grupos em busca de comida, tendemos a nos comportar como eles. O egoísmo das crianças pequenas, por exemplo, parece um traço herdado de nossos ancestrais comuns com os chimpanzés. Em experimentos semelhantes, chimpanzés de todas as idades nunca aproveitam a chance de conseguir comida para os membros de seu grupo, mesmo que isso não custe nada para eles. Já o comportamento das crianças entre 7 e 8 anos de valorizar a distribuição igual de recursos é típico de tribos de caçadores-coletores. Enquanto no estudo suíço os pesquisadores fizeram o possível para isolar as crianças, para que não tomassem decisões de maneira "interesseira", pensando no que ganhariam depois daqueles a quem ofereciam doces, o estudo brasileiro, feito por Yamamoto e Anuska Alencar com 232 crianças de escolas públicas da cidade de Natal, capital potiguar, avaliou justamente o efeito do grupo na decisão delas. No início, cada membro de uma turma de 6 a 24 crianças recebia três chocolates. Depois, cada um depositava quantos chocolates quisesse em uma urna, atrás de um biombo. "Depois que todas as crianças passavam pelo biombo, nós abríamos a urna na frente delas, contávamos os chocolates doados e, para cada chocolate doado, acrescentávamos mais dois", explica Yamamoto. O total era dividido entre o grupo. Assim, todas as crianças recebiam sua parte do "fundo público" de chocolates, que era tanto maior quanto mais crianças doassem mais de seus "bens privados". "A melhor situação para a criança era não doar nada, enquanto todos os outros fossem generosos. Era esse tipo de coisa que o grupo tentava controlar", explica Yamamoto. Patrulhamento A análise estatística do comportamento das crianças, feita pelo economista José Siqueira, da Universidade de São Paulo, confirmou o que as psicólogas perceberam observando as crianças. A conclusão do estudo, publicada em janeiro na revista "Evolution and Human Behavior", foi que, quanto menor o grupo, mais as crianças cooperavam entre si. "Nos grupos menores, as crianças têm mais controle umas sobre as outras", explica Yamamoto. "Nos grupos maiores, pelo contrário, a tendência é de tirar proveito do fato de não ter uma supervisão dos outros. Esse padrão não é diferente do observado em adultos." Alencar entrevistou as crianças após o experimento. Uma delas, que não podia comer chocolate, jogava para levar para a irmã. "Por outro lado, havia crianças que diziam para as outras que todos precisavam doar seus chocolates, enquanto ela mesma nunca doava", conta Yamamoto. "Tanto o trabalho de Fehr quanto o meu mostram que, embora a gente tenha predisposições biológicas, elas são extremamente plásticas e podem ser moduladas pelo meio." Texto Anterior: + Marcelo Gleiser: Sede humana Próximo Texto: + Marcelo Leite: Raposa e os municípios Índice |
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