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GENÉTICA
Artigo afirma que inserções "inúteis" de DNA escapam da seleção natural quando conjunto de indivíduos é reduzido
População pequena tem genoma gigante
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma espécie de ameba tem
mais material genético que um ser
humano, enquanto camundongos e pessoas têm número parecido de genes: além de não contribuir para lustrar o ego coletivo da
espécie humana, a relação entre a
complexidade do organismo e a
do seu genoma não tem resposta
simples. Mas uma nova hipótese
afirma que o tamanho das populações é o principal fator influenciando o quanto de DNA um ser
vivo possui em suas células.
O código genético dos seres vivos toma a mesma forma na ameba ou no homem. São moléculas
de ácido desoxirribonucléico, ou
DNA, compostas fundamentalmente por longas sequências de
quatro bases nitrogenadas, as "letras" químicas A (adenina), T (timina), C (citosina) e G (guanina).
Nem todo DNA se traduz em
genes, as unidades do código
-ou "palavras"- nas quais o organismo vai buscar especificações
para a fabricação de proteínas. No
ser humano, menos de 2% do
DNA do genoma especifica genes.
A maior parte do restante é chamado de "DNA-lixo", sequências
que se acumularam por milhões
de anos sem utilidade aparente.
A nova hipótese ajuda a explicar
essa enorme quantidade de DNA-lixo nos organismos mais complexos, os eucariotos. Eles têm seu
material genético num núcleo envolto por uma membrana, e não
disperso pela célula, como nos
mais simples procariotos, cujo
exemplo típico são as bactérias.
A hipótese foi divulgada em um
artigo na revista científica norte-americana "Science" (www.sciencemag.org) por Michael
Lynch, da Universidade de Indiana em Bloomington, e John Conery, da Universidade de Oregon,
em Eugene (ambas nos EUA).
Os pesquisadores compararam
os cerca de cem genomas já sequenciados de bactérias e similares com os de organismos multicelulares como plantas e animais.
Incluíram também na comparação o tamanho das populações.
Repertório da espécie
Como pano de fundo está a
idéia de que alguma modificação
no genoma de um indivíduo tem
de ser repassada a toda a população para que possa ser considerada parte do repertório da espécie.
Três forças evolutivas moldam
o genoma de uma espécie. São as
mutações no próprio material genético, a seleção natural -o mecanismo pelo qual os indivíduos
mais adaptados ao ambiente deixam mais cópias de seus genes em
uma prole maior- e o simples
acaso, conhecido como deriva genética (ou "drift") pelos biólogos.
"Após a mutação ocorrer, ela
estará sob os olhos atentos da seleção natural. Se ela causar uma
má adaptação, essa mutação será
rapidamente eliminada do pool
genético", diz o brasileiro Marcelo de Aguiar Nóbrega, pesquisador do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley, na Califórnia
(Costa Oeste dos EUA), e descobridor de estruturas importantes
em locais do genoma considerados antes um "deserto" de genes.
Mutações neutras, que nem favorecem nem prejudicam a sobrevivência, só vão permanecer
no genoma graças à deriva genética. "Uma mutação que ocorrer
em um indivíduo pode na geração seguinte estar presente em 20
indivíduos, caso o "mutante" tenha se reproduzido prolificamente, ou não estar mais em nenhum,
caso o mutante não tenha se reproduzido, seja lá por que razão
for", explica Nóbrega.
O argumento básico de Lynch e
Conery é que o tamanho da população é fundamental para determinar que rumos tomará uma
mutação. Quanto maior a população, mais difícil será que essa
mutação se espalhe por ela, porque haverá mais chances de que
processos randômicos (isto é, ao
acaso) acabem por eliminá-la.
"Para mim, a questão-chave seria: qual é o tamanho genético
"efetivo" da população de uma espécie a longo prazo? Pela minha
hipótese, é provável que tenha sido bem pequeno, o que diminuiria a eficiência da seleção natural,
portanto permitindo a acumulação de muitas inserções de DNA
que, de outro modo, seriam removidas pela seleção", diz Lynch.
Cautela
"É preciso ser cauteloso, porque
a análise dos dois foi baseada apenas nos genomas que foram sequenciados, e esses foram escolhidos quase sempre porque eram
pequenos", diz o canadense T.
Ryan Gregory, um dos maiores
especialistas em estudo comparativo de genomas e hoje no Museu
de História Natural de Londres.
"Outros organismos, como salamandras ou peixes com pulmão, cujos genomas podem ser
bem maiores que o humano, não
foram incluídos, porque não foram e talvez nunca sejam sequenciados", afirma Ryan. "A verdade
é que nenhum parâmetro único
vai explicar toda a variação no tamanho de genomas, mesmo apenas entre animais."
Já nos anos 40 do século passado os cientistas notaram que o tamanho dos genomas era constante nas espécies -e isso serviu
mesmo como prova de que era o
DNA, e não as proteínas, o material hereditário. Mas logo se percebeu que o tamanho do genoma
-conhecido como o "valor-C"- não estava diretamente ligado à complexidade do organismo.
Paradoxo
Nos anos 70, essa contradição
foi chamada de "paradoxo do valor-C", que de certo modo se resolveu quando se descobriu que a
maior parte do DNA era "lixo"
não-codificante.
Como é praxe na ciência, a descoberta serviu para criar mais dúvidas. O paradoxo virou enigma.
"De onde vem o DNA não-codificante? Por qual mecanismo ele é
ganho e perdido nos genomas?
Ele tem algum efeito ou função? E
por que algumas espécies têm
muito, enquanto outras têm pouco? Juntas, essas questões compõem hoje o enigma do valor-C",
afirma Ryan.
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