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Travessias improváveis

Livro defende ideia levantada por Darwin de que plantas e animais são capazes de sobreviver a longas jornadas e dar origem a novos seres vivos em outros continentes

REINALDO JOSÉ LOPES COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O naturalista britânico Charles Darwin (1809-1882) provavelmente será lembrado por séculos como o pai da teoria da evolução, mas pouca gente se dá conta do pendor que ele tinha por experimentos bizarros, que mais parecem coisa do IgNobel, o Nobel da pesquisa maluca.

Por exemplo: enfiar os pés de um pato (separados da pobre ave, previamente sacrificada) num aquário para ver se pequenos caramujos seriam capazes de se agarrar às patas do bicho.

Ou enfiar sementes no estômago de peixes; alimentar águias, cegonhas e pelicanos com os peixes; finalmente, tentar induzir a germinação das sementes originais, recuperadas das fezes das aves.

Tudo isso tinha o objetivo de demonstrar que plantas e animais, com um pouco de sorte, seriam capazes de fazer imensas jornadas entre continentes, dando origem a novas espécies.

Essas e outras histórias são relatadas em detalhes no livro "The Monkey's Voyage" ("A Viagem do Macaco"), obra do biólogo Alan de Queiroz, da Universidade de Nevada, nos EUA. Resumo da ópera: nesse ponto, assim como ocorreu com a ideia de seleção natural, Darwin enxergava à frente de seu tempo.

Mas foi só nas últimas décadas que uma parte substancial da comunidade científica passou a aceitar esse fato. Do fim do século 19 até os anos 1960, muitos biólogos preferiam postular a existência de "pontes de terra" ligando, por exemplo, a América do Sul à África, por onde teriam transitado bichos como macacos (daí o nome do livro) no passado remoto.

PLACAS TECTÔNICAS

Mais tarde, quando ficou comprovado que os continentes vivem se juntando e se separando ao longo de milhões de anos, numa dança ditada pelo movimento das placas tectônicas, muitos biólogos passaram a assumir que, na verdade, os grupos de seres vivos apareciam em determinada região do globo e, mais tarde, o movimento das placas é que os separava.

Isso explicaria, por exemplo, o fato de que existem avestruzes na África, emas no Brasil e casuares (imagine uma ema de crista e cabeça azul) na Austrália. Todas essas terras faziam parte do supercontinente Gonduana.

Mas, conforme Queiroz explica no livro, o surgimento de técnicas de análise de DNA, que permitem comparar a quantidade e o ritmo de mutações entre espécies aparentadas de seres vivos, mostrou que esse cenário, em muitos casos, está errado porque certos grupos se separaram depois que os continentes foram desmembrados.

Voltando ao caso brasileiro, tudo indica que nossos macacos descendem de bichos que atravessaram o Atlântico, vindos da África, num tremendo golpe de sorte acontecido há cerca de 40 milhões de anos. Mais ou menos na mesma época, os ancestrais de muitas espécies de roedores sul-americanos, como as capivaras, também saltaram da África para cá.

Casos como esses parecem ter acontecido com inúmeros grupos de animais e plantas, ao redor do mundo todo, de Madagáscar à Nova Zelândia, das Galápagos ao Havaí. Répteis e insetos (sem falar em aves, que conseguem voar, em geral) estão entre os grandes viajantes. Mamíferos são menos comuns, mas até anfíbios, para os quais a água salgada do oceano costumar ser letal, também realizaram essas jornadas.

Algumas espécies podem ser carregadas mar afora por troncos. Outras só conseguem viajar quando a força da água na foz dos grandes rios lança para longe grandes pedaços de terra, verdadeiras ilhas flutuantes cuja existência já foi documentada.


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