TCU aponta irregularidades em obra de Miguel Nicolelis
Governo federal já investiu R$ 57 milhões em projeto orçado em R$ 250 milhões
Parecer do corpo técnico do órgão aponta falta de definição clara do projeto e falta de controle sobre os recursos repassados
Um relatório preliminar do TCU (Tribunal de Contas da União) aponta irregularidades no Campus do Cérebro, projeto idealizado pelo neurocientista Miguel Nicolelis, um dos mais famosos cientistas do Brasil.
Orçado em quase R$ 250 milhões, o projeto inclui um centro de pesquisa em neurociência, uma escola, um centro de saúde e atividades de divulgação astronômica em Macaíba (RN). O governo federal já investiu R$ 57 milhões no Campus do Cérebro.
Para o TCU, um dos problemas é que não há uma definição clara do projeto.
A definição do que é exatamente o Campus do Cérebro não estaria explícita no contrato. Segundo o TCU, é possível encontrar vídeos na internet em que Nicolelis fala de detalhes que não estão indicados no projeto, como um pórtico de entrada "em forma de um 14-bis [o icônico avião de Santos Dumont] de tijolo e concreto".
O relatório ao qual a Folha teve acesso foi elaborado pela área técnica do TCU e aguarda apreciação da ministra Ana Arraes. Ele foi obtido via Lei de Acesso à Informação.
Outras questões levantadas pelo relatório do TCU são:
- Ausência de justificativa clara, por parte do Ministério da Educação, para escolher a organização de Nicolelis para gerir o projeto;
- O risco de eventuais patentes geradas (e de verbas excedentes) irem para o exterior;
- A falta de controle sobre os recursos geridos.
O documento do TCU fala em "irregularidades graves", diz ser admissível a anulação do contrato de gestão (que permite o repasse dos recursos) e aponta risco de perda patrimonial e de o projeto se tornar um "elefante branco".
atraso
Em visitas ao espaço, os auditores verificaram que as obras estão paradas e que parte delas já está tomada pelo mato ou foi depredada.
Previsto inicialmente para ser inaugurado em 2014, o Campus do Cérebro teve sua inauguração adiada para o segundo semestre deste ano.
À Folha, o Ministério da Educação e o Instituto Santos Dumont deram datas distintas para a inauguração.
Em nota, o MEC afirmou que a inauguração do projeto foi adiada para o segundo semestre de 2016. Já o instituto presido por Nicolelis, via assessoria de imprensa, afirmou que a inauguração se mantém no segundo semestre ainda deste ano.
Os auditores apontam ainda confusão jurídica entre a Aasdap (Associação Alberto Santos Dumont para Apoio à Pesquisa) e o ISD (Instituto de Ensino e Pesquisa Santos Dumont), ambos presididos por Nicolelis.
As duas entidades teriam contratos com o governo federal, mas não ficaria claro qual o papel de cada uma nem como se distribuem os recursos, o que faz com que seja difícil rastrear o caminho do dinheiro público repassado.
"Há um entrelaçamento organizacional, institucional e patrimonial entre elas. (...) As entidades parecem mesclar a administração e condução dos projetos, podendo haver o mesmo pessoal atuando em ambas as instituições", diz o relatório.
O relatório é obra dos auditores –ou seja, do corpo técnico do TCU, não dos ministros, que são livres para acatá-lo ou não. Em outros termos, trata-se de um parecer não vinculante.
No TCU, os ministros, a partir dos relatórios técnicos, analisam as contas de administradores e demais responsáveis por dinheiro público. Se eles considerarem que eventuais irregularidades realmente existem, podem aplicar as sanções previstas em lei, como multas.
Em dezembro do ano passado, a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) questionou publicamente o Ministério da Educação sobre a decisão de investir tantos recursos no projeto do Campus do Cérebro.