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Nina Horta

Atala erótico

As descobertas de Alex Atala transformam o cotidiano em gostosura, em beleza; têm erotismo

Só não comprei o livro do Alex Atala na Amazon porque achei ridículo, afinal o cara é nosso, tudo nele é nosso, queria ir na livraria daqui, ler aqui, pagar com reais, sair com ele embrulhado na mão. (E teria feito uma grande bobagem se comprasse fora, pois achei que a edição era bilíngue, no mesmo livro, e não é; o que está aqui na minha mão é em português, inteiro. E a editora Melhoramentos me mandou de presente o "D.O.M. - Redescobrindo Ingredientes Brasileiros".)

Me deu uma vontade de rir ao pensar num estrangeiro pegando o livro, sem acesso aos nossos ingredientes. Porque nós pegamos livros assim o tempo todo. Comidas coreanas, de Burma, de Trás-os-Montes, e ficamos lá quebrando a cabeça. Aquele primeiro livro do Noma, valha-me Deus, nem uma couvinha tronchuda.

E todos vão ter interesse em comprar por ser do Atala. Nós mesmos, até outro dia, não conhecíamos priprioca, nem maçã do coco, nem formigas, nem batatas-árias. Agora, já conhecemos só de cumprimentar batendo o chapéu, barretadas, por influência desses abnegados catadores de matinhos e matões, desses pesquisadores sérios que querem trazer à mesa o que se come aqui, dos nossos rios, dos nossos grotões. O povo que cresce perto dos ingredientes desconhecidos para a maioria nem leva em conta. Come e pronto. É novidade para nós, os "voyeurs" das mesas alheias, os que chamam de gourmets. Bem feito. Estamos dando o troco com o livro do Alex.

Os estrangeiros nos mandam aves estranhas, rebatemos com uma formiga. Ah, tem filé no sul dos Estados Unidos? Temos bacuri e pequi. Dá lá, toma cá. Ele escreveu o que quis, sem intenção de exaurir o assunto. Despretensioso, até. Lindas fotos de apresentação da "cosa nostra".

Acho erótico esse livro dele e todos os outros de cozinheiros excepcionais dessa geração. As fotos e os textos não querem nos mandar para o fogão, ter função útil. Estão em torno do prazer em si mesmo, exigem delicadeza, um certo conhecimento, uma invenção, um ritual e, especialmente, a beleza, a imaginação, o desejo. Alguém se alimenta do palmito desfiado com pó de pipoca? Não. São diferenças pensadas por alguém, descobertas que transformam o cotidiano em beleza e variedade e gostosura, podem mesmo ser até chamadas de eróticas, que tal? Mais um adjetivo para usarmos quando formos a um bom restaurante. "Esse risoto de caramujo marinho com tangerina foi bom para você também?"

Uma erotização da linguagem culinária? A essas alturas não estou falando mais do livro, mas da cozinha do Atala. Pois se não for uma aproximação do sagrado, uma busca de essência, a comida desses novos cozinheiros não quer dizer nada. Ela não flui como um rio de águas claras, não se faz entender à primeira vista, não tem elos que a explicam, não é fácil: ora é gel, ora é balão, desfaz-se em lago, levanta-se em torre, vira espuma. É poesia. Poética, fico com "poética".

O livro deu umas paradas por mercados, prédios, cenas de pesca, o profano, diríamos. Ou melhor, ao mundo dos livros de presente de fim de ano de banco. Mas a vida é assim, tem erotismo, poesia e tem horas prosaicas demais. Na mesma vida, no mesmo livro.

ninahorta@uol.com.br

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ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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