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Vegano por uma semana

Crítico da Folha faz dieta sem derivados de origem animal e conclui: prazer à mesa é trocado pela lógica médica para evitar a subnutrição

JOSIMAR MELO CRÍTICO DA FOLHA

A experiência de passar uma semana sem consumir nenhum produto de origem animal (como fazem os veganos) para esta reportagem pareceu que seria chata, mas fácil. Uma semana sem carnes, laticínios, ovos? Moleza --ou, como dizem os americanos, "a piece of cake" (um pedaço de bolo --sem manteiga, leite ou ovos, claro).

Com o passar dos dias, porém, fui entendendo que a opção vegana --esse vegetarianismo radical, inspirado por razões ideológicas (não explorar animais) e não de paladar ou saúde-- vai além de empobrecer (em nutrição e gastronomia) a nossa mesa.

Pois não se trata apenas de eliminar os ingredientes animais, mantendo de resto nossa dieta habitual --gostosas massas com vegetais, legumes crocantes ao alho e óleo, saladas exuberantes, belas tortas de frutas... Não: ao subtrair os alimentos animais que nos fizeram humanos moldando nossa fisiologia, essa dieta priva o vegano de nutrientes fundamentais.

Como explica a arqueóloga Claudia Plens, professora da Unifesp, "o desenvolvimento do nosso cérebro e da nossa capacidade cognitiva se deu graças ao consumo da carne", no curso "Arqueologia da Dieta e da Alimentação", ministrado na USP.

Sem a carne, os nutrientes precisam ser repostos, numa estratégia de guerra em busca de ingredientes muitas vezes estranhos à sua cultura.

ANTINATURAL

Como vivi na pele, a comida vira um problema. Quem segue o curso da natureza (que deu aos humanos um lugar onívoro na cadeia alimentar), alimenta-se intuitivamente (tipo arroz, feijão, salada e bife) e tem basicamente os nutrientes de que precisa.

Já a opção vegana implica uma permanente busca por sobreviver com outras estratégias alimentares, que não a natural. O prazer da mesa é trocado pela lógica da receita médica, necessária para evitar a subnutrição.

E embora um bom chef seja, sim, capaz de fazer pratos deliciosos sem produtos animais, a ausência diária desses impõe a necessidade de introduzir grãos, castanhas e outros ingredientes compensatórios que tornam a comida pesada, sem sutilezas, sem refinamento.

A menos que me convençam que coisas como "peixe de soja", ou "lombinho vegetal" (sem falar de "hambúrgueres", "salsichas" e "presuntos" cheios de corantes) são capazes de trazer alegria ao paladar e à mente de quem, como eu, não gostaria de transformar o momento de comer numa operação medicinal.

Sou mesmo natureba. Respeito os milhões de anos em que a natureza nos fez onívoros --e fez de nós parte do seu equilíbrio.

Nem quero pensar no dia em que os humanos pararem de comer outras espécies: estas vão se multiplicar e em pouco tempo atacarão nossas plantações --e os humanos que cuidam delas. Será o fim do equilíbrio regulatório natural. Melhor respeitar nosso lugar nesse ciclo --e, de quebra, satisfazendo o paladar com sabores atávicos que a história nos incutiu.


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