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Comida

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Nina Horta

Língua curiosa

Para nos a-li-men-tar-mos queremos aquilo que comemos na infância, certo padrão, a mãe, o costume

Estou preparando um novo livro e separando as crônicas que acho melhores. Mas que susto! Há anos que, quando vou falar de uma comida boa, escolho arroz com ovo frito, sopa de feijão, sanduíche de presunto, batata assada, pão com manteiga, jabuticaba, manga, pão de queijo, pão com alho e azeite, será possível que alguém que escreve crônicas de comida só sabe falar nessas comidas íntimas, de comer em casa?

Acho que provavelmente é por causa dos leitores que adoram lembrar daquilo que comiam com o prazer da procura ao tempo perdido. Já descobri que não eram as comidas, era o tempo, mesmo, o tempo da segurança, do amor, da alegria de viver. Mas não custa escrever sobre um tutu de feijão e uma bela linguiça feita em casa, sem esquecer a couve fininha, se é o que gosto e o leitor me faz companhia.

Claro que há crônicas sobre restaurantes e suas comidas especiais. Se não fosse por ter escrito sobre elas, não me lembraria quais foram. Lembraria das sensações, do nome do cozinheiro, mas a trufa se esconderia nos vãos da memória. Só não se esconde o foie gras, me lembro de cada um que comi.

Nas crônicas, aparecem todas as novidades, mas com certo riso escondido, esperando o seu sumiço. Somos volúveis demais. Para nos a-li-men-tar-mos é outra coisa, queremos aquilo de que gostamos, aquilo que comemos na infância, certa repetição, certo padrão, a avó, a mãe, pois o que há de mais difícil de se desvencilhar é o costume.

Não posso dizer que estou entre os nostálgicos, acho que terá sido minha língua curiosa desde sempre que me levou a ser tão interessada em comida. Por que a vizinha judia guardava as carpas no tanque? E que coisa mais estranha era aquela alcachofra da dona Hermínia? Chegou a Coca-Cola pelas asas do seu Rutenio... Tem coisa melhor? Uma novidade a cada dia.

Hoje ainda encontro senhoras da minha idade, acreditem, que nunca comeram uma polenta em São Paulo. Será por quê? Comida de imigrante, comida pobre. Disso tenho certeza. Por um preconceito até inconsciente, acreditem.

Das comidas de restaurante me orgulho de ter acertado em cheio, ou ao menos acertado com a revista "Restaurant", que dá os prêmios de melhores do mundo... O Maní, o D.O.M., o Fasano, o Rubaiyat foram sempre elogiados e levados ao topo.

Quem me deu a sensação de que pela primeira vez comia algo bom de verdade foi Alain Chapel, que andou por aqui e tinha tanto talento que dava para ver e sentir que o que fazia era uma alta cozinha sem comparação com tudo o que havia comido até então. E não vou me esquecer do Laurent, que cozinhava e cozinha como ninguém.

Por muitos restaurantes que passei fora do Brasil, sempre gostei mais dos franceses de Nova York, como o Daniel Boulud. Perfeito. (É impossível se manter o primeiro depois de 20, 30 anos, mais pelo cansaço da imprensa especializada que precisa de carne nova).

A comida de Ferran Adrià e de outros mais novos só deve entrar com pontos de interrogação. Só dez anos depois dos seus reinados é que merecem se espremer entre capas de livros dos outros.

ninahorta@uol.com.br

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ninahorta.blogfolha.uol.com.br


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