Comer para quê?
Remédio e poeira são palavras que vêm à mente de quem provou Soylent; chef tem enjoos após degustação
Na apresentação do Soylent, Rob Rhinehart diz que o invento "é o alimento essencial do futuro". Ele defende que ingerir uma fórmula nutritiva é mais saudável do que matar a fome com fast food de má qualidade. E recomenda que as refeições de verdade sejam reservadas a ocasiões especiais, com tempo.
Com essa ideia em mente, Josimar Melo e os chefs Ana Luiza Trajano e Alberto Landgraf ocuparam uma das mesas do restaurante Brasil a Gosto para degustar o "alimento". Teve até brinde.
O líquido bege, bem mais claro que um café com leite e encorpado como milk-shake, foi servido em temperatura ambiente e também com gelo. Não causou boa impressão.
As maiores críticas, contudo, têm como alvo não o produto, mas a ideia de se deixar de comer. "Não acho melhor do que se alimentar de fast food. Até a ingestão de comida ruim envolve uma escolha. Sem isso, nos bastaria receber alimentação por sondas, como no hospital", diz Melo.
De fato, do ponto de vista médico, o Soylent não é novidade. "É a velha nutrição enteral, usada em pacientes portadores de doenças que inviabilizam a ingestão natural. A novidade é vendê-la para pessoas sadias", diz o endocrinologista Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia.
Apesar de se declarar 100% contra a ideia, Ana Luiza acredita que o produto pode ser interessante para uma fatia do mercado. "Estudantes às vésperas de provas, por exemplo, adorariam não ter que parar para comer."
Para Landgraf, o sucesso do Soylent entra na categoria dos modismos passageiros. "Assim como o goji berry [fruto usado na medicina oriental], vai ser uma febre até aparecer outra moda."
Dos três, Landgraf foi o único que bebeu um copo cheio. Passados cinco minutos, já sentia o primeiro efeito: sensação de estômago pesado. Algumas horas depois, veio o enjoo. "Acho que atacou meu fígado, precisei até tomar remédio." Ana Luiza também sentiu enjoos. "Não consegui jantar nem tomar café no dia seguinte."
No ano passado, a empresa anunciou ter incluído enzimas na fórmula para ajudar na digestão e evitar gases, reclamação comum de consumidores.
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Alberto Landgraf, do Epice
AROMA
"Tenho alguma memória desse aroma, acho que me lembra achocolatado ruim. É um cheiro artificial"
TEXTURA
"Será que batemos direito? Parece que há farelo grudado na boca. Ele não dissolve 100%. Alguns ingredientes devem precisar de mais calor, mais tempo de hidratação ou agitação maior do que a que conseguimos com a mão. Não é agradável, mas não é o pior do produto"
SABOR
"Pelo cheiro artificial do produto no pacote, pensei que seria pior. O sabor é muito neutro. Não tem gosto de nada, na verdade"
Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto
AROMA
"À primeira vista, tem um aroma de baunilha que não me parece natural, e lembra um desses shakes de dieta ou farinha láctea. Tem um quê de memória de infância, até, mas não no sentido prazeroso"
TEXTURA
"A textura é bastante arenosa, algo que só melhora -e ainda assim não completamente- com a adição de gelo"
SABOR
"Não chega a provocar ânsia, como imaginei que aconteceria. Com gelo, tem aparência de licor Frangelico, mas paladar nulo -de água com algum gostinho no fundo. Se não é de todo desagradável no sabor, também não me agrada. Comida tem a ver com cremosidade, crocância... E depois passei mal: tive enjoos e não consegui nem tomar café no dia seguinte"
O crítico Josimar Melo
AROMA
"Tem cheiro artificial e adocicado que lembra baunilha e produtos lácteos, mas só na versão em temperatura ambiente. Com gelo, o aroma some"
TEXTURA
"Parece que estou bebendo poeira e ela gruda na língua e no céu da boca. É desagradável"
SABOR
"Sem gelo, tem um sabor totalmente industrial que não se consegue identificar muito bem. Farinha láctea, talvez. Com gelo, fica sem gosto. Como remédio, até dá para tomar. Mas o gosto, aqui, é o de menos. Beber isso três vezes por dia, por vontade própria, é coisa de masoquista"