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Nina Horta

Hábitos, costumes, manias...

A comida não visava só dar força para aguentar o serviço pesado; havia que transmitir coragem e paixão

Todos temos hábitos e costumes arraigados, que nem percebemos de tão arraigados que são. Agora que estou com mania de Índia, fico de olho neles através dos tempos. Nem enciclopédias dariam conta de tantos rituais. Mas, ao mesmo tempo, vemos que no Ocidente estamos cada vez mais cheios de ideias mal resolvidas, que nem têm por baixo uma rede de tradições que sustente as nossas maluquices.

Pessoas que só comem proteínas, as que têm medo de calorias, as que odeiam vegetais, as da dieta da berinjela, as da melancia, as da Lua, as da mediterrânea, as de alimentos crus, as que comem três vezes ao dia, cinco vezes, as que fazem jejum uma vez por semana, as da balancinha ao lado para pesar o bife.

Esteira após o café, sacolinha para as compras. Os nojos aumentam. Os anoréxicos nos sinalizam levando ao extremo as manias ao comer.

Mas, quando o costume é alheio, é claro que estranhamos mais. A Índia me parece imbatível. Histericamente imbatível. Havia que se olhar em uma certa direção durante a comida -por exemplo, para o sul se seu pai já houvesse morrido. Os brâmanes eram -e talvez ainda sejam- os reis da frescura para comer.

E o que dizer do medo da contaminação, o mesmo medo que agora nos assola no Ocidente? Há países onde as pessoas já andam de máscara nas ruas. Entre os indianos, não se comia o alimento preparado por alguém de casta mais baixa que a sua, e a sombra de uma pessoa sem casta sobre o prato já o fazia impuro, era preciso jogá-lo fora.

Alguns indianos eram tão ortodoxos que não podiam escutar a voz de alguém impuro enquanto comiam. Tinham de se meter no interior das casas, trancados, para que isso não acontecesse. E era sacrilégio romper as regras.

Os intelectuais não deveriam comer mais do que um punhado de arroz (o arroz que coubesse numa mão fechada). Mal alimentado, o filósofo pensava mais, tinha maior clareza, pensamentos mais nobres. Que tudo fosse muito leve, só grãos, os legumes mais levinhos, as verduras, o leite, a coalhada, os brotos, a batata-doce, mas não batatas em geral, e as frutas. A comida dos trabalhadores não visava somente lhes dar força para aguentar o serviço pesado, mas havia que transmitir coragem e paixão. Por isso comiam carne e especiarias, bebiam vinho.

Sabe-se lá o que vai por dentro de nossas cabeças. Divagações com sentido ou catando pelo em ovo? Seria bom não cair nas esparrelas. A ideia seria analisar um pouco cada uma, e não basta a ciência afirmar, ela mesma, uma velha senhora com catarata e um começo de Alzheimer, murmurando repetitiva pelos corredores: "Ovo é bom, ovo é ruim, comam gordura, cuspam a gordura, sol é bom, sol é ruim".

Vamos dissecar cada novidade que nos parece engodo, descobrir de onde veio, por que, para onde vai. Não dá para se sujeitar a tudo o que aparece e deixar que criemos comportamentos estranhos para rejeitá-los. Salvemo-nos de nós mesmos e cantemos nossas superstições numa marchinha de Carnaval, que dá mais certo. "Tô sozinho, minha morena foi pr'Anvisa pegar seu silicone!!! Volta, morena, só com botox já te acho a maior!" O riso cura.

ninahorta@uol.com.br

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