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Aumenta a procura por carnes de caça no Brasil

Volume de vendas da principal fornecedora dos restaurantes dobrou em um ano

Carnes de capivara, paca e porcos-do-mato têm pouca gordura e exigem maior apuro técnico no preparo

Karime Xavier/ Folhapress
Capivara em três versões (R$ 69), do restaurante Pomodori, servida aos sábados, no almoço
Capivara em três versões (R$ 69), do restaurante Pomodori, servida aos sábados, no almoço

DA ENVIADA ESPECIAL A INDAIATUBA (SP)

As carnes de caça estão na mira dos cozinheiros. Voltam à mesa os cortes de alguns animais silvestres -aqueles que vivem soltos, embora hoje respeitem uma área delimitada, em criadouros, como os porcos-do-mato e a capivara.

Na busca por ingredientes nacionais, chefs fazem um resgate do Brasil quinhentista, época em que se comia praticamente todos os animais que haviam na mata.

Ainda são ingredientes raros e, num contexto em que a demanda é maior que a oferta, as carnes geralmente alcançam preços altos.

A paca, por exemplo, é tida como a mais nobre, tem carne levemente adocicada e custa até R$ 250, o quilo -sua taxa de reprodução é baixa e sua criação, complexa.

"Tudo o que a natureza oferece em pouca quantidade gera fascínio dos chefs", diz Alex Atala, que assimilou a caça de sua tradição familiar e encabeçou, no Brasil, a causa que defende a gastronomia como ferramenta de conservação de espécies.

VENDA EM DOBRO

Um bom termômetro desse mercado em ascensão é a Cerrado Carnes Naturais, fornecedora dos principais mercados e restaurantes do país.

Segundo Gonzalo Barquero, que estudou ciências animais nos Estados Unidos e hoje é o mentor da empresa, o volume de venda dobrou do ano passado para cá -hoje comercializa cerca de 1,5 tonelada ao mês.

A Cerrado estabelece parcerias com criadouros no Brasil inteiro -que buscam replicar os habitats naturais dos animais- para os quais presta consultoria.

A Folha visitou o sítio Santa Maria, em Indaiatuba, no interior de São Paulo. Ali, Carlos Eduardo Ciciliato tem uma criação de capivaras, gerada a partir de matrizes vindas de outros criadouros. "Animais também podem vir de apreensão do Ibama ou de instituições públicas."

Em uma pastagem arborizada de cerca de 2.000 m2 ficam em torno de 15 capivaras. Têm à disposição uma lagoa artificial, para que possam hidratar a pele, comem capim e suplemento de cereais.

Já a criação de pacas da Empreendimentos Agropecuários e Obras S/A, em Camaçari, na Bahia, se divide em cativeiros cimentados.

O chef Rui Carneiro, do Chez Bernard, restaurante em Salvador que pertence ao mesmo grupo, conta que os animais mudam de sabor de acordo com a alimentação. "As pacas comem frutas, verduras e tubérculos", diz.

O CHATO DO FILÉ-MIGNON

Edinho Engel, do Amado, também em Salvador, se cansou da carne bovina. "Filé-mignon está muito chato."

Na busca de ingredientes brasileiros, o chef testou carnes de caça com a expectativa de que fossem "pesadas e fortes". "Descobri que são delicadas, encantadoras."

A queixada, por exemplo, é "extremamente magra" e, por isso, "exige mais conhecimento técnico" para um preparo bem-sucedido.

Foi essa mesma carne, de uma espécie de porco-do-mato, que André Mifano, do Vito, usou para dar forma a um novo embutido, a ser lançado até setembro pela Retratos do Gosto, marca que busca aproximar os pequenos produtores do mercado.

"A carne de caça não tem gordura, e eu preciso de gordura para fazer embutido", diz Mifano. Sua estratégia foi misturar a banha dos porcos domesticados ao avermelhado pernil da queixada. Em seguida, processa o corte em tamanhos desiguais -"para dar textura"- e, misturado a ervas, como tomilho e alecrim, deixa descansar em vinho tinto. Embutido em tripas de colágeno, passa por cura leve, em ambiente úmido.

Diogo Silveira, do Pomodori, serve carne de caça aos sábados. Dispensa longas marinadas para manter o sabor original e explora cocções. "Qualquer erro no cozimento deixa a carne seca."

Outros restaurantes, como o Acquavit, em Brasília, ajudam a engordar a procura por essas carnes.

CRIADOR E PREDADOR

A caça profissional pressupõe que os animais sejam retirados da natureza em um tempo menor do que aquele em que se reproduziriam.

Para Roberto Machado, diretor comercial da Cerrado Carnes Naturais, o comércio oficial dessas carnes inibe transações ilegais -"o criador deixa de ser um predador".

Gonzalo Barquero acredita que a regulamentação da caça gera pesquisa e informação a favor das espécies.

"Boi, porco e frango nunca vão ser extintos, só se o homem morrer. Na hora em que [a sociedade] começa a utilizar essas carnes, tem-se certeza de que a espécie é preservada", afirma Barquero.

O ambientalista e autor do livro "Direito dos Animais: Fundamentação e Novas Perspectivas" (editora safE), Daniel Braga Lourenço, diz que, no âmbito moral, os defensores dos direitos animais são contra o abatimento de qualquer bicho. "Temos alternativas dietéticas que dão conta de suprir as nossas necessidades. A sociedade não deveria repensar esse padrão de consumo?"

(LUIZA FECAROTTA)

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