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Crítica Livro

Valha-me, Adrià! Para que serviu toda a inovação?

A julgar por esta obra, nem chef acha que deixará herança para a cozinha caseira

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

O jantar do staff de Ferran Adrià. Sua família, é o que diz. Daí o título do livro.

Mais ou menos assim. Estão todos trabalhando na cozinha e, de repente, é a hora do Ângelus, seis horas. Hora do jantar, a refeição em família. Limpam-se as mesas de trabalho, alguns estagiários desaparecem na cozinha auxiliar do restaurante. Voltam com cadeiras de plástico e, num minuto, todos estão sentados, prontos para comer.

Alguns se ajeitam na escada da cozinha, que dá para fora, para poderem fumar.

A comida não tem nada a ver com as especialidades do restaurante. Todos jantam com muita concentração, conversam sem brincadeiras exageradas e risadas altas.

Depois de uns 20 minutos, acabou-se o que era doce. As cadeiras desaparecem, os pratos são colocados na máquina de lavar. Esticam uma bonita toalha na mesa que vai servir de aparador para as bandejas de serviço.

Acabado o jantar, Adrià mostra para um biógrafo de plantão seu caderninho com os detalhes de cada refeição do staff que serão feitas até o fim do ano. Em 2009, a comida será toda tradicional, mas nem toda espanhola por causa dos estagiários.

Um só chef -em rodízio- compra e faz a comida do pessoal, mas Adrià está sempre observando e palpitando e documentando. Confessa que é doentiamente organizado.

TEATRO ARMADO?

Sempre imagino que toda revolução culinária deixa para nós o que tinha de bom e vai embora, dando lugar a outra moda, outra experiência do "zeitgeist". Sempre me interessei muito por saber o que ficaria de Ferran Adrià para a comida que mais importa, que é a caseira.

Por esse livro, "A Refeição em Família: Cozinhando em Casa com Ferran Adrià", não ficou nada, a não ser a filosofia do bom ingrediente.

Então, acredito que, para todos os efeitos, nem Adrià acha que sua cozinha e suas invenções vão sobrar para o cozinheiro comum.

Dentro do seu próprio restaurante, com todas as técnicas científicas que se provaram de muito sucesso, com os utensílios roubados de laboratórios, receitas hiperinventivas saídas de seu próprio "taller", cozinha como a avó. Valha-me, Adrià! O que quer dizer com isso?

Como é que o livro de Adrià não esferifica, não muda texturas, não nada?

Nós, simples mortais, só vimos um teatro armado? Não era para ficarmos ansiosos por não sabermos desconstruir e construir uma azeitona? E as texturas, o gelado e o quente, os formatos?

Imagine, leitor, que tudo que foi inventado em matéria de máquinas e técnicas desde os anos 40 não tivesse sido usado. Os liquidificadores, os processadores, os fogões, tudo o que permitiu o advento da nouvelle cuisine fosse depois rejeitado.

Apesar de reconhecermos seu valor, bateríamos os ovos à mão, o processador passaria de moda, e o instrumento mais usado seria a velha colher de pau. Não foi assim que aconteceu. O passado deixou suas marcas muito visíveis.

Para que serviu, então, toda a inovação? Adrià e Santi Santamaria serão a mesma pessoa, o direito e o avesso que foram se fundindo num único personagem?

NADA DE NOVO

Pessoalmente, me dei melhor com esse feitio de livro, parecido com um manual americano feito por uma boa editora, escrupuloso, atento, organizado, receitas simples, mas nem tanto, um livro bom para manter na cozinha.

Baseado em menus, conciso, sem uma gota de qualquer aditivo culinário, indicado para iniciantes ou para quem não tem um bom livro como esse. Cozinha caseira mas nem tanto, comida boa, mesmo. Mas, nada de novo.

O que ele aconselha é o óbvio com passo a passo. Um livro de receitas que poderia ser assinado por qualquer chef do mundo. Livro de culinária mesmo, com receita, modo de comprar e de fazer, planilhas, limpeza.

Esse livro é aquele que imaginaríamos que Adrià nunca escreveria. Se compramos toda a parafernália que ele usava em seu restaurante, os kits de substâncias a serem usadas, diante de seu último livro, podemos em sã consciência jogar tudo fora. Minto, guarde o sifão que o livro tem algumas receitas de espuma.

A REFEIÇÃO EM FAMÍLIA: COZINHANDO EM CASA COM FERRAN ADRIÀ

AUTOR Ferran Adrià
TRADUÇÃO Soraya Imon de Oliveira
EDITORA Agir
PREÇO R$ 109, em média (384 págs.)
AVALIAÇÃO regular

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