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Nina Horta

Meu almoço nas férias

Já pensaram se eu escrevesse aqui couve orgânica e sustentável? Acabaria com o almoço

NAS FÉRIAS o almoço obedece a um certo ritmo. É preciso esperar que todos cheguem, a cozinha já está a postos. O primeiro a sair do banho lê os jornais numa marquesa cheia de almofadas brancas que chamamos de UTI, pois é o pouso dos meio doentes que querem participar da confusão. Outro fica na poltrona, sem direito a amendoinzinhos ou uísque, talvez uma tragada de cachaça, que assim é o costume da casa para que não percam a fome.

Todos começam a aparecer de cabelos molhados pelos ombros, caras esfregadas, cheiro de sabonete Phebo. Os que preferem cozinhar e tomar banho depois sofrem com a areia dentro do maiô e a canga escorregando. Depois são privilegiados com banho de banheira, morno, e sabonete Floris, eterno e que não perde o cheiro.

Limpos de corpo e alma, os que vieram do mar parecem se sentir mais morenos, saudáveis e se oferecem para abrir o vinho. Trouxeram consigo um pouco da energia do mar.

Os da cachoeira, que desceram a ladeira, equilibraram-se em pedras, agarraram-se nos ramos de patchouli, escorregaram no musgo e, de repente, sentiram aquela massagem de Deus nas costas, aquela surra de água fria, ainda estão meio ligados à experiência de pertencer ao jequitibá centenário, aos coqueiros, e às pedras escorreguentas. Estão mais quietos, pensativos

Na cozinha, o tlim-tlim da louça é baixo, espera ordens para subir o tom, para que tudo se precipite, afogue-se, aqueça-se, alastre-se, enrole-se e que do caos brote a ordem.

A couve foi colhida pela manhã na hortazinha. (Já pensaram se eu escrevesse aqui couve orgânica e sustentável? Acabaria com o almoço, transformaria tudo num clichê de plástico e mudaria o gosto da couve estrumada e regada.)

Um pó dourado de luz (coisas de Paraty) bate na pimenteira que teima em subir até a janela da cozinha, todo ano. Magrinha, é quase uma trepadeira de pimenta de passarinho. Em um ano arde muito, no outro não.

As mulheres usam roupas claras, decotes, alças, shorts.

E, de repente, está na mesa! Não está, mas vai ficar em minutos, daí o corre-corre. Aquecer o feijão, provar, fazer a farofa na manteiga, cuidado para não queimar, frigideira de ferro é um perigo. Vamos cortar o lombo gordo em fatias? Melhor não, cada um corta a sua.

Você corre lá e põe as bilhas de água gelada no aparador. A couve é a última e ponha sal antes de ir à panela, senão ele não se distribui direito. E é só um susto, hein? O camarão trazido do mar leva seis minutos para fazer, deixa que eu faço que tenho prática. Quem quiser põe o caldinho no arroz, fica ótimo.

E o suco de mixirica do Rio?

O almoço foi longo, afogado em bem-estar, fartura e malemolência. Sandra traz o café na canequinha de ágata numa bandeja pintada de bananas. Detesto aquela bandeja, mas ela já tem uns 20 anos. Todos bebem, dobram as redes sobre si para evitar mosquitos, e até o que lia as notícias do dia se esquece do discurso do Cameron.

Ah, a sobremesa eram bananas fritas com creminho de gema e suspiro por cima.


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