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O boi da Amazônia

Dois top endereços de SP já ensaiam receitas com a carne da tartaruga-da-Amazônia para resgatar pratos que marcaram a cultura gastronômica brasileira; o animal, que teve a caça proibida nos anos 60, começa a ser comercializado por criadouros certificados pelo Ibama

LUIZA FECAROTTA
ENVIADA ESPECIAL AO ACRE
Alexandre Scheneider/Divulgação
Lâminas de tartaruga-daAmazônia servidas a partir de terça, dia 22, no Brasil a Gosto, de Ana Luiza Trajano
Lâminas de tartaruga-daAmazônia servidas a partir de terça, dia 22, no Brasil a Gosto, de Ana Luiza Trajano

Para entender a tímida, rara e recentíssima presença da carne de tartaruga em endereços da alta gastronomia é preciso ir longe. Precisamente, a Xapuri, cidade a duas horas de Rio Branco, no Acre.
Lá, na fazenda Três Meninas, há um programa de auxílio ao repovoamento e de comércio do animal.
Com proposta semelhante, o projeto Tamazon, primeiro criatório do Acre, é responsável pela chegada a São Paulo de um lote de 60 kg dessa carne. Pela primeira vez, um criadouro daquele Estado comercializa o lombo da tartaruga nessa quantidade.
A caça no Brasil foi proibida em 1967 e houve campanha de órgãos públicos para sua conservação na natureza. "Hoje não é um animal ameaçado e é facultada sua criação comercial", diz Messias Costa, do museu Emilio Goeldi, o mais importante órgão de pesquisa sobre a Amazônia, em Belém (Pará).
"O aumento das comunidades [ribeirinhas e indígenas] e a agressão ao ambiente haviam levado ao declínio das populações de tartaruga-da-Amazônia", diz Costa.
Para Caloca Fernandes, autor de "Viagem Gastronômica Através do Brasil", não faz sentido a caça ser proibida no país. Para ele, deveria ter sido feito um trabalho de prevenção, com a caça restrita a determinadas épocas do ano.
Após quase 30 anos de proibição, a carne ficou de fora até dos cardápios do Norte do país. Para reintroduzi-la, será preciso superar um "conflito cultural", já que as tartarugas são consideradas animais domésticos.
Em 1992 houve liberação de criatórios. E foi somente em 1996 que a comercialização foi regularizada -hoje, ainda é burocrática e depende de certificados do Ibama.
É quando entram em cena figuras como Valmir Ribeiro, do projeto Tamazon, e Miguel Fernandes de Araújo, da fazenda Três Meninas, que sustentam programas de auxílio ao repovoamento da espécie, antes ameaçada de extinção, e começam a dar vida ao comércio dessa carne.
Segundo Costa, os investimentos são altos para sustentar os açudes e a ração -e é preciso aguardar cerca de cinco anos para que as tartarugas atinjam o peso para abate e outros 15 para reprodução. "Muitas espécies se perpetuaram com domesticação e uso alimentar", diz.

SABOR
A chef Ana Luiza Trajano, do Brasil a Gosto, servirá o lombo, a parte "mais sutil da tartaruga", a partir do dia 22. Servida como entrada fria no cardápio que homenageia o Acre, essa carne passará a noite em marinada de azeite e especiarias. Depois, será cozida em baixa temperatura. Completa o prato uma emulsão de leite de castanha, alfavaca, chicória e um crocante de mandioca (R$ 49). Alex Atala, que estuda a introdução da tartaruga no seu menu-degustação, inspirou-se em uma receita clássica, que conheceu no Japão, para fazer o consomê que serviu no D.O.M. na semana passada (leia na página ao lado).
Ele mesclou sabores brasileiros, como ervilha-torta, hortelã, limão, cogumelo e tapioca, a um caldo denso feito com patas e pescoço de tartaruga (as partes que têm mais pele) e alga kombu. A carne foi cozida por oito horas em baixa temperatura.
Em outro prato, explorou o jeito amazonense: da carne cozida aproveitou o caldo, para um pirão. Do fígado, de sabor potente, fez base para a farofa. Da pele, torresmo.
Os chefs usam tartarugas certificadas pelo Ibama, de criatórios regularizados.

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