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Comer em SP

Paulistano paga caro demais para comer pratos genéricos

Mito da cidade como capital da gastronomia deve ser repensado

ESPECIAL PARA A FOLHA

LANÇO ATÉ UM DESAFIO: SERÁ QUE ALGUM JOVEM CHEF SERIA CAPAZ DE CRIAR UM MENU DE QUATRO PRATOS ORIGINAIS POR R$ 100 (OU MENOS)?

Meu amigo americano não reclamava da comida, claro, mas da relação custo-benefício do restaurante, cuja conta saiu por R$ 150.

Quando um nova-iorquino paga U$ 75 (o equivalente a R$ 150) para jantar fora na sua cidade, a expectativa é de algo ligeiramente mais elaborado (e saboroso e criativo) do que um "magret" de pato ao molho mostarda...

No começo do ano, a revista "New York" saiu com a tradicional lista de "onde comer" naquela cidade obcecada por uma boa refeição.

A média de um prato principal no Acme, um dos novos e bons restaurantes escolhidos por Adam Platt, o crítico da revista? US$ 25 (cerca de R$ 50). No Pok Pok NY, de um dos melhores chefs de 2013? US$ 14 (R$ 28).

O prato mais caro no elogiado Battersby custa U$ 29 (R$ 58). No The Dutch, um dos endereços mais disputados atualmente na cidade? US$ 24 (ou R$ 48).

Claro que há, na mesma lista, os menus-degustação de US$ 150 (R$ 300) ao teto de US$ 195 (R$ 390) para o Eleven Madison Park. Mas esse é, só lembrando, um dos dez melhores restaurantes do mundo de acordo com o ranking da revista inglesa "Restaurant", graças ao talento do chef Daniel Humm.

Esse não é o problema. Para cada Humm, nós temos aqui nosso Alex Atala, entre outros, que, pela cozinha diferenciada, podem pedir, sim, um preço diferenciado.

Mas o que me parece absurdo é pagar um valor alto por uma coleção de pratos genéricos.

Você conhece os suspeitos: atum em crosta de gergelim (ah! com molho teriaki!), carré de cordeiro, espaguete ao vôngole (quando o garçom não tenta empurrar o ainda mais genérico "aos frutos do mar"), arroz de polvo, peixe do dia ao molho de maracujá, ceviche de (claro!) camarão, saint-pierre à provençal, polvo prensado, "steak au poivre", macarrão "thai"...

Essas coisas pelas quais aceitamos pagar um total de R$ 150. Ou melhor, talvez você aceite -eu já abandonei alguns endereços que não me dão nem surpresas nem prazer no seu cardápio.

PARIS MAIS EM CONTA

Que tipo de surpresas eu esperaria por esse valor? Aquelas que em Paris -Paris!- não custam mais do que € 25 (ou menos de R$ 65).

Em duas viagens recentes à capital francesa, munido do último "Fooding" (uma espécie de guia "Michelin" alternativo, que uma nova geração de críticos, chefs e "bons garfos" resolveu adotar), fui a alguns dos melhores restaurantes eleitos pelo guia.

O foco do "Fooding" é o sabor do que os chefs preparam -e a "paixão" que eles demonstram no cardápio.

De fato, cada sugestão que segui trouxe gratas surpresas ao paladar. Como no L'Agrume (selo "trop bon" ou "muito bom"), onde uma entrada (rúcula, mariscos, sopa de cheruvia, uma raiz semelhante à mandioquinha, com trufas), um prato principal (confit de marreco com cenouras rústicas) e uma sobremesa saíam por € 24 (R$ 62).

Outros exemplos? No Abri, que neste ano recebeu o curioso título de "fooding d'amour" ("cozinha apaixonante"), o almoço de três pratos custa € 22 (R$ 57).

Tudo bem, o almoço geralmente é mais barato...

Mas veja então o jantar no Roseval, o melhor restaurante de 2013 segundo o "Fooding". Lá, comi uma refeição completa (quatro pratos) por € 40 (R$ 103): creme de couve-flor com ouriço e avelãs, salada verde com timo e castanhas, cordeiro "de leite" com berinjelas, panetone com abóbora e chocolate.

E no Septime (prêmio de honra no "Fooding" de 2012), cinco pratos no jantar custam € 55 (R$ 143): salada de beterraba com carne-seca espanhola e folhas de mostarda, uma sopa de cogumelos-de-Paris, shiitake, foie gras, ostras e ervas, agulhão com abóbora, endívia e "colza" (uma flor), bochecha de vaca, repolho grelhado e mandioquinha e creme de baunilha com sorvete cítrico e merengue de tangerina.

Experiências semelhantes tive ainda em Le Chateaubriand (€ 50, cinco pratos), Clandestino (€ 22, três pratos), Au Passage (€ 18, três pratos), Vivant (€ 55, quatro pratos) -e isso é só uma fração do "Fooding".

CAPITAL DA GASTRONOMIA?

Só não tive experiências assim aqui no Brasil, sobretudo em São Paulo, a cidade que se orgulha de ser uma capital da gastronomia.

A oportunidade de viajar e experimentar outros cenários gastronômicos está me fazendo repensar esse título.

Comemos mesmo bem em São Paulo? Comemos caro, isso sim! Mas comemos sempre as mesmas coisas, como se os nossos restaurantes brigassem tanto para sobreviver nesse mercado ultracompetitivo, apenas para sossegarem assim que vissem suas mesas cheias.

A culpa, claro, não é dos restaurantes, muito menos de seus chefs. Cada um cobra o que quiser pela sua comida. O problema está em quem paga por ela.

Na ilusão de que comida cara deve ser igual a comida boa, o cliente passa o cartão mais como uma prova de que "pode gastar" do que como uma recompensa razoável ao prazer que teve à mesa.

Mas os próprios chefs -especialmente, os jovens- poderiam aproveitar o momento para criar menus realmente criativos e acessíveis, conquistando assim uma geração de onívoros que pode então redescobrir como sair para jantar pode ser delicioso.

Lanço até um desafio: será que algum jovem chef seria capaz de criar um menu de quatro pratos originais por R$ 100 (ou menos)?

Seria um bom primeiro passo para salvar a reputação da cidade -antes que São Paulo se transforme apenas numa enorme praça de alimentação disfarçada de "terraço gourmet".

O QUE ME PARECE ABSURDO É PAGAR UM VALOR ALTO POR UMA COLEÇÃO DE PRATOS GENÉRICOS; ATUM EM CROSTA DE GERGELIM, ESPAGUETE AO VÔNGOLE...


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