São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011

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RÉPLICA VINHOS

Degustação às cegas reduz erro de avaliação

Para não serem induzidos, especialistas em vinho provam sem saber a origem, o produtor e o preço do rótulo

TAÇA ESCURA TAMBÉM IMPEDE QUE SE SAIBA A COR DA BEBIDA; E, PARA EVITAR QUE ALGUÉM SEJA INFLUENCIADO, AS CONVERSAS NÃO SÃO PERMITIDAS

JOSIMAR MELO
CRÍTICO DA FOLHA

Na semana passada, este caderno publicou um artigo ("Legítimo bordô") bem interessante: o fato de que, numa degustação de vinhos, fatores como o prestígio da marca, o preço e mesmo a cor do líquido influenciam no julgamento de quem bebe.
Por exemplo, as pessoas tendem a "gostar" (ou achar que gostam) mais de um vinho caro ou famoso do que de outro que elas achem que seja barato ou comum.
São armadilhas aplicadas pelo cérebro. E não só nesse campo: ocorre até na hora de escolher coisas diferentes como emprego ou namorada.
No meio do vinho isso é tão conhecido que todo mundo, sejam profissionais (produtores, técnicos do setor, imprensa especializada) ou amadores, toma medidas para evitar distorções.

TAÇA ESCURA
As medidas são simples: impedir ao máximo que esses fatores estejam presentes nas degustações. Por isso, se fazem as chamadas "degustações às cegas": ou seja, os participantes não sabem que vinhos provam, se são caros, baratos, quem é o produtor.
Também existem copos negros que impedem que se saiba a cor dos vinhos. Conversas não são permitidas (para evitar que alguém seja influenciado). As notas mais altas e mais baixas são eliminadas no cômputo final.
O artigo da semana passada não esclarece a existência dessas precauções.
Pelo contrário, em tom de denúncia, diz que, diante do fenômeno, a crítica de vinhos "não é mais do que uma fraude", e que os estudos citados chegam muito perto de destruir a reputação da "enologia" (termo mal-empregado, mas foi a forma como o articulista, que não domina a área, tentou se expressar).
Nada muito diferente do que alguns jornalistas afirmaram na época da publicação de um dos estudos mencionados, do cientista francês Fréderic Brochet. Houve títulos do tipo "Escândalo dos esnobes do vinho".

DEGUSTAÇÃO
No entanto, no seu estudo onde por meio de experimentos diversos ele analisa como se dão as deformações sobre os sentidos do degustador-, é o próprio Brochet que afirma: "este trabalho mostra fenômenos conhecidíssimos pelos degustadores, mas que não haviam ainda tido demonstração científica". E reforça a importância das degustações às cegas.
Um fato pitoresco que mostra a importância dessas medidas foi retratado no recente filme "O Julgamento de Paris", que descreve a famosa prova de 1976, na qual vinhos californianos, junto com franceses, foram submetidos a um júri somente de especialistas franceses. Ao final da degustação às cegas, para espanto mundial, o branco e o tinto vencedores foram os americanos.

SAFRA
Os franceses hoje alegam que estes amadurecem mais rápido, estavam mais "prontos" que os franceses da mesma safra mas isto é outra história. O interessante é que, se as degustações fossem mera fraude, será que os orgulhosos franceses teriam dado a vitória aos ianques?
Muitos exemplos mostram não somente que degustações podem ter seriedade, mas também que degustadores experientes (e dotados de excelente paladar e memória) são capazes de grande precisão analítica.
O que não quer dizer que as avaliações feitas por um profissional do vinho sejam verdades científicas. O bom degustador é capaz de dizer, tanto quanto uma máquina, se um vinho está ou não estragado ou defeituoso.
Mas a partir daí, o juízo sobre suas virtudes, por mais que se aproxime de alguma objetividade, sempre terá uma dose subjetiva, derivada da história e do gosto pessoal. O que atribui beleza, e humanidade, ao gesto de apreciar a bebida ou de fruir qualquer obra de arte.


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