São Paulo, quinta-feira, 02 de junho de 2011

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O FAMINTO Comida sem frescura

ANDRÉ BARCINSKI

Em busca da bisteca perdida


Deveriam lançar um guia dos restaurantes mortos: por que só celebrar quando eles ainda estão abertos?


DOMINGO DE SOL. Saindo da praia, subimos a estrada Paraty-Cunha babando para comer uma posta de dourado na Dona Ilka, uma biboca famosa no pedaço.
Foi uma decepção: o lugar estava fechado. Fechado mesmo: sem placa, com janelas trancadas e cadeado na porta. Pairava no ar uma melancólica sensação de abandono.
Há um bom tempo, Dona Ilka reclamava da queda na freguesia. Dois anos atrás, uma tromba d'água destruiu parte da Paraty-Cunha, e o movimento caiu muito.
A prefeitura prometeu inúmeras vezes consertar a estrada. Não cumpriu. Pelas minhas contas, é o quarto restaurante que fecha na estrada em menos de um ano.
Para fãs da comida de Dona Ilka, foi uma perda irreparável. Por R$ 15, a gente traçava uma posta de peixe grelhada com arroz, feijão, farofa e salada. E rolavam uns sucos geniais
Agora, Dona Ilka sumiu. Escafedeu-se. Adeus, dourados! Adeus, postas de sororoca! Adeus, ovas de tainha à milanesa! Pergunto: existe coisa mais frustrante que chegar num restaurante com água na boca e dar de cara com a porta?
Nunca esqueço o domingo em que cheguei ao Peruchão e vi o lugar fechado. Uma tristeza.
Toda vez que passo no viaduto da Casa Verde, tenho "flashbacks" proustianos das imensas costelas de carneiro e peixes na brasa.
Foi no Peruchão que vi, pela primeira vez, usarem borrifadores de perfume para espalhar azeite e vinagre na salada. Que bela ideia.
Alguém deveria fazer um guia dos restaurantes mortos. Por que não? Por que só celebrar os restaurantes enquanto eles estão abertos? E as memórias, como ficam?
Quem consegue passar pela rua General Jardim sem lembrar as rãs penduradas na vitrine do Parreirinha? Ou andar pelo Cambuci sem ser assombrado pelo fantasma da paella do La Parra?
Em São Paulo, há um endereço lembrado com saudades por inúmeras tribos: é o da rua Martinho Prado, 119, quase na esquina da Augusta. Os baladeiros recordam as noites insones que passaram na pistinha do Xingu. Deveriam tombar aquele prédio. Alô, prefeitura!


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