São Paulo, quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

FOGO ALTO
A visão de quem cozinha

SIMON LAU CEDERHOLM

Baunilha, um milagre no cerrado


Todos os anos, na Semana Santa, o homem da baunilha passa lá em casa e vende toda sua coleta

A MINHA família brasileira construiu há quase 200 anos uma casa na Vila Boa de Goiás, que até o início do século 20 era a cidade mais importante no cerrado.
Na sala de visitas, reinava um piano francês, levado por escravos, cerrado adentro. Na enorme cozinha, doces eram feitos com frutas do quintal, cravos e baunilha, na tradição das doceiras de Goiás.
Quando cheguei por lá, nos anos 80, vindo da cinzenta e social-realista Dinamarca, fiquei fascinado.
Anos atrás, na Semana Santa, deitado na rede, ouvi alguém bater à porta. Era um homem barbudo, franzino, segurando uma caixa de sapatos. Ele perguntou se eu queria comprar favas de baunilha. Aí pensei: o que será que eles chamam de baunilha por aqui? Não acreditei quando ele levantou a tampa e vi as favas gordas e perfumadas.
Perguntei se ele mesmo plantava as baunilhas. Respondeu-me que apanhava no mato. Dá baunilha no Brasil? Por que então nunca acho nas lojas? E por que as receitas levam aquela essência química e artificial? Perguntei se eu podia ir com ele para a mata. Disse-me que era muito longe, difícil e perigoso.
Não preciso dizer que comprei todas as favas. Num piscar de olhos o pequeno vendedor sumiu pelos becos de Goiás. Depois, fui atrás dele, até encontrar sua casa na floresta.
Mas ele próprio, para me levar ao El Dorado das baunilhas, nada! Desisti quando uma senhora do mercado me falou, com um riso um tanto malicioso: "Você não vai encontrá-lo nunca. Ele foge do senhor como o diabo foge da cruz".
Desde então, todos os anos, na Semana Santa, quando eu estou ocupado em Brasília, o homem da baunilha passa lá na casa e vende toda a sua coleta para nós.
Hoje, planto a baunilha do cerrado no antigo quintal em Goiás e na horta do meu restaurante Aquavit.
Com a chegada da chuva, as trepadeiras estão cheias de belas flores. Quem sabe se essa joia da natureza não produzirá o milagre de trazer de volta os dias de glória à terra de Cora Coralina?

SIMON LAU CEDERHOLM é chef do Aquavit (Mansões do lago Norte, ML 12, cj. 1, casa 5, Brasília)


Texto Anterior: A Gourmet - Alexandra Forbes: Comitiva brasileira na Espanha
Próximo Texto: Clube envia bebidas aos participantes
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.