São Paulo, quinta-feira, 22 de setembro de 2011

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NINA HORTA

Síndrome de Diógenes


Minha experiência diz que, num livro de cozinha, você consegue, no máximo, três receitas que dão certo


Passei a vida colecionando livros e juntando revistas e assinando mais uma que aparecia nos confins do mundo. Algumas, maravilhosas, sumiram em quatro edições, outras "newsletters" sobrevivem há 30 anos, ou mais, e não tenho coragem de cortar a assinatura, por costume, por me sentir amiga do editor.
É o que acontece com a inglesa "Petits Propos Culinaires", cheia de bizantinismos, como qual o cheiro da gordura do rabo de carneiro gordo, ou sobre a flor que floresce uma noite por ano.
E muito assunto sobre alcaçuz, não sei como alcaçuz pode dar tanto assunto. Mas, ela é boa justamente por isso. Nada que é de comida lhe é estranho.
As pessoas também têm o costume de colecionar revistas americanas ou brasileiras e um dia darem uma passadinha lá em casa e, virtuosamente, deixar lá a coleção de 60 anos da Gourmet das mães que enjoaram de cozinhar ou morreram, ou os dois.
Qual Glorinha Kalil me ensinaria o que fazer? Já tenho a minha coleção, a da tia, a da colega do Garden Club. Há ocasiões que se tem que resolver no mesmo instante, sem titubear. Aceito, comovida, e mal a amiga vira as costas derrubo toda a coleção num saco preto de lixo, rezo uma ave-maria pela dona e está encerrado o assunto.
É a mania de colecionar e de juntar coisas. Quando me penso curada, alguém me diz um título e lá vou eu atrás dele. Com o iPad estou frita, empanada, queimada.
A minha experiência diz que, num livro de cozinha, você consegue, no máximo, duas ou três receitas que dão certo e que te apetecem fazer. A não ser que seja uma obstinada como aquela blogueira que foi atrás das receitas da Julia Child, uma por uma, num mau humor de cão.
Comprei um livro do francês Joël Robuchon sobre comidas mediterrâneas. Dos tais que precisam de carrinho para carregar (e, por falar em carrinho e carneiro gordo, sabem que esses carneiros de rabo gordo ficam sem poder andar, então os donos fazem um tipo de carrocinha que eles puxam de lá para cá com o rabo gordo em cima? Aprendi na revistinha "Petits Propos Culinaires").
Fiquei interessada por uma receita que me pegou pela simplicidade. Olha que nem gosto mais de receitas.
Era um orecchiette simples, uma massinha que se aperta com o dedão e está pronta. O molho era um alho amassado com nozes, no pilão, até ficar pastoso. E pronto, o macarrão punha-se no prato sobre o molho com queijo ralado e muita pimenta-do-reino.
Ficou pronto e comemos. Minha filha achou seco, que poderia ser mais líquido, eu achei a massa do macarrão completamente sem gosto. Pratos lavados, voltei à receita e percebi umas letrinhas pequenas lá em baixo de tudo.
"Fizemos com um macarrão com ovos para ser mais saboroso e juntamos ao molho um pouco de caldo de galinha para afiná-lo." Ora, bolas. É isso. Raro o livro de receitas de toda confiança. Um livro só basta na vida. O restante é gastança.

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