São Paulo, quinta-feira, 30 de junho de 2011

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jantar do passado

Restaurante Next, em Chicago, serve banquete ambientado na Paris do início do século 20, com pratos de cem anos atrás

CRISTIANA COUTO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O táxi estaciona em frente a um galpão sem placa aparente, numa esquina escura e deserta de Chicago. O bairro industrial de Fulton Market, que passou a abrigar galerias, estúdios e lofts descolados, é o endereço do novo restaurante do americano Grant Achatz.
Inaugurado em abril, o Next, segunda casa de Achatz com o sócio Nick Kokonas, é um projeto tão ousado quanto, mas bastante diferente do Alinea -três estrelas "Michelin" e eleito pela revista inglesa "Restaurant" o sexto melhor do mundo em 2011.
Para conseguir uma mesa é preciso comprar ingressos pela internet, não reembolsáveis. O preço varia com o dia da semana (entre US$ 65 e U$ 110; com vinhos, paga-se a mais de US$ 48 a US$ 98).
"Vendemos em poucas horas", disse o gerente Will Douillet sobre os 7.000 lugares para o menu de estreia, degustado pela Folha, e que mudará a cada três meses.
A diferença mais marcante está na cozinha. Longe da experiência sensorial que consagrou Alinea, o principal representante da cozinha de vanguarda dos EUA, o Next busca referências em pontos do tempo e do espaço ""uma refeição na primavera em Kyoto ou um jantar em Napa Valley em outubro de 1996.
O menu inaugural presta tributo ao rei dos cozinheiros, o francês Auguste Escoffier, e a um jantar que fez no Hôtel Ritz Paris, em 1906. A luz discreta do salão afasta os olhos do teto futurístico para concentrá-los na mesa em que irão repousar receitas dispostas em louças e pratarias garimpadas em leilões e lojas.
Começa aí a busca pela perfeição, uma das marcas desse chef de 37 anos, cuja refeição com Kokonas após a notícia de um câncer na língua resultou num dos restaurantes mais disputados na América. Não é para menos.
A "real food" que acariciou o coração de Kokonas, materializou-se em oito serviços que transportam a um jantar digno de um dos melhores hotéis europeus da belle époque --e afinado pela competência de Achatz, que estudou e testou por um ano cem receitas entre as mais de 5.000 do "Le Guide Culinaire de Escoffier".
Por três horas, desfilaram releituras de clássicos, como a instigante "hors d'oeuvres", com "oeufs benédictines" -transformados num creme de bacalhau e ovos trufados na casca--, "foie gras au torchon" (inserido numa fatia de brioche) e anchovas em conserva sobre ovos de codorna quase líquidos.
Este último recurso é resultado da inteligente combinação de técnicas do passado e do presente feita por Achatz e seu chef-executivo, Dave Beran. Para fazer o "caneton rouennais a la presse", Achatz adquiriu uma prensa centenária, usada para extrair o sangue e os sucos da carcaça e dos órgãos do pato e preparar seu molho.
Beran teve apenas 24 horas para testar o equipamento, mas já sabia como cozinhar a ave: a vácuo, por sete horas. Entre a autenticidade dos pratos e a reinterpretação de um gosto pretérito, a balança de Achatz pende sempre para o segundo quesito. "Afinal", pondera o chef, "estamos inaugurando um restaurante ou um museu?".

CRISTIANA COUTO é jornalista de gastronomia, doutora em história da ciência e autora de "Arte de Cozinha"

NEXT
ONDE 953 W. Fulton Market Street, Chicago
www.nextrestaurant.com




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