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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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"TESOUROS"

Remoção da pintura por meio de raspagem ou banhos de solvente traz à luz tijolos e madeiras dignos de resgate

Curiosidade revela o passado sob as tintas

Fernando Moraes/Folha Imagem
A arquiteta Juliana Bomfim usou ferro envelhecido para compor com o estilo rústico das paredes e sustentar os grandes vãos.


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Para revelar estruturas antigas ocultas sob velhas superfícies, é preciso tirar o pó da curiosidade. Um dos primeiros passos é saber o que as paredes escondem por trás de inúmeras demãos de tinta.
Foi o que fez a arquiteta Juliana Traldi Bomfim, 31, quando se deparou com uma casa dos anos 50 que iria se transformar em um restaurante em Santo André (Grande São Paulo).
"Todo o material havia sido trazido da França, mas não dava para ver que era tão bonito. Quando descobrimos o que havia sob as paredes e sobre as lajes, decidimos mostrar a estrutura original", conta. Ela descascou e lixou as paredes, que foram cobertas com verniz incolor fosco.
Antes de optar pela parede "nua", entretanto, deve-se descascar um pedaço e ver se a tonalidade agrada. "É preciso gostar do aspecto mais desbotado, com quebras e irregularidades", pondera a arquiteta Telma Sabadin, 38.
Como às vezes a tonalidade da massa difere da dos tijolos, a arquiteta Dionéia da Paixão revestiu a parede com uma mistura de água, cimento e tijolo esfarelado.
Mostrar os tijolos requer cuidados. Para não soltarem poeira, deve-se aplicar uma seladora. A resina impermeabilizante é indispensável para que fiquem protegidos.

Tesouras
Mostrar a estrutura que segura o telhado, eliminando o estuque, é outra maneira de dar amplitude ao ambiente, revelando verdadeiras obras de arte em madeira.
Em seu projeto, Bomfim abriu mão do forro para mostrar as tesouras -e as telhas francesas-, ganhando um pé-direito de seis metros no ponto mais alto.
Paixão também optou por valorizar as tesouras de peroba, mas fez um forro de madeira em vez de deixar as telhas à mostra. "São maravilhosas. Quando vi as tesouras, decidi que elas tinham de fazer parte do ambiente."
Para dar ainda mais amplitude, as duas arquitetas abriram as paredes. "Usei vigamento metálico para suportar esses vãos. Optei por deixar o ferro natural e passei um ácido para dar aspecto enferrujado", afirma Bomfim.
Em imóveis antigos, geralmente a casa se apóia em todas as paredes. Se uma for aberta ou derrubada, o peso é compensado nas outras, que podem não suportar a nova carga e apresentar trincas.
"As construções antigas são muito sensíveis a mudanças de comportamento estrutural", afirma Natan Jacobsohn Lezental, 65, coordenador da divisão de estruturas do Instituto de Engenharia.

Revestimentos
O piso original, se conservado, pode fazer boa composição com uma decoração mais moderna. Mas, antes de pousar os móveis sobre ele, deve-se avaliar se foi danificado por cupins ou umidade.
Se está em boa forma, o piso é raspado e novamente revestido com produtos protetores. Sabadin calcula que o custo desses procedimentos gire em torno de R$ 12 por metro quadrado.
E o esforço vale a pena. A arquiteta Emerita Ito, 31, que conduz a recuperação de um casarão da década de 30 que virará uma área de lazer, diz que não mexerá no revestimento do chão.
"O piso tem uma modulação bonita, feita em vários tipos de madeira. Hoje não se acham exemplos tão caprichados e madeira de tão boa qualidade."
Azulejos decorados antigos também podem fazer parte da nova decoração. "Uma alternativa é pintar a parede e deixar só uma faixa decorada", sugere Sabadin.

Portas e janelas
Ao optar por manter as portas originais de uma casa, Paixão conta que deu trabalho aos pedreiros. "Elas ficaram numa banheira com solvente por um bom tempo, até sair a pintura. Resgatá-las custa menos do que comprar novas com a mesma qualidade."
Para Ito, preservar estruturas originais como as "traquitanas" (hastes compridas com uma alavanca para abrir os vitrôs que ficam sobre a janela) tem seu charme. "As técnicas construtivas da época são o barato da casa."



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