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Jairo Marques

No meu lugar

Fico matutando se não é o momento ideal de mostrar ao mundo que somos um país que acolhe as diferenças

Um superpoder que sempre sonhei ter é aquele que me permitiria voltar no tempo um bocadinho para reparar alguns malfeitos, deslizes e derrapagens do dia a dia. Babar café na camisa branca minutos antes de estourar a pinga do Réveillon, distrair-se e mandar o cotovelo na quina da mesa do chefe na hora de pedir um aumento, mudar a alternativa, que estava certa, daquela questão que te colocaria na melhor faculdade.

E não é que esse potencial invejável caiu no colo do Brasil? É para ficar mais "pra frente" do que bigode de onça! O país tem a chance de promover uma realidade diferente para milhares de pessoas a partir das obras da Copa e da Olimpíada, realizando o acesso universal ­-espaço que pode ser usufruído pelas pessoas independentemente de condição física, sensorial ou de idade.

O duro é que já há quem resmungue que a conta sairá cara demais para atender "caprichos" -mais conhecidos como direitos adquiridos- de grupos. Cito a polêmica sobre os espaços reservados a deficientes nos novos estádios que estão sendo levantados ou reformados pelo país afora.

Atualmente, o esquema funciona assim -quando funciona: em espetáculos, festivais, grandes eventos esportivos ou artísticos, gente que arrasta cachorro, que anda montado em cadeira, que é prejudicado do aparelho andador é confinada em um cercadinho que costumam batizar de "espaço reservado para deficientes".

Dessa forma, uma família que tenha um filho PCzão (com paralisa cerebral, para os mortais), por exemplo, ao prestigiar o imperdível jogo entre Gabão x Suriname tem de se separar. Vai o pai com o moleque para o cercadinho -que geralmente aceita a entrada de um acompanhante- e o resto do povão fica na arquibancada, nas numeradas, no gargarejo.

Fico matutando se não seria o momento ideal de mostrar para o mundo que deixamos de vez de ser uma pátria de gabirus, um país que promove justiça social a passos de formiga para se tornar uma nação que sabe respeitar a diversidade, que acolhe as diferenças e que tenta dar oportunidades equânimes a todo "serumano" que por aqui nasceu, chegou, visitou, sonhou.

O valor financeiro de construir arenas esportivas com várias opções de acomodação para um cadeirante -e não apenas um cercadinho-, de levantar hotéis com quartos que possam receber com conforto e segurança os idosos, de abrir rotas de transporte público que conduzam pessoas com mobilidade reduzida adequadamente é ínfimo diante do salto para uma humanidade mais evoluída, mais coerente com sua salutar generalidade de elementos.

A questão não é decidir se o meu lugar para assistir a uma partida de futebol vai ser apartado do todo, um cantinho estigmatizado de "menos favorecidos física, sensorial e intelectualmente".

A questão é que o poder de fazer diferente de um passado com tanta exclusão está presente e tem a força de estabelecer um novo paradigma nessa relação ainda tão contaminada de preconceitos, verdades tortas e desinformação entre os seres "comuns" e os indivíduos que por ventura sejam "mal-acabados".

jairo.marques@grupofolha.com.br

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