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Morro em transe

No Vidigal, moradores apreensivos faziam fila para estocar comida no sábado; no domingo, receberam PMs com café; na segunda, a energia do morro havia mudado

ARTUR VOLTOLINI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

O REPÓRTER Artur Voltolini, 31, paulistano e designer gráfico, mora desde agosto de 2010 num apartamento no começo do Vidigal. Ao saber da ocupação, resolveu fazer a cobertura a partir do alto do morro, de cima para baixo, mesmo ponto de vista dos moradores. Subiu, em meio a barricadas, até o "Arvrão", de onde acompanhou tudo. Nos dias seguintes, andou pela comunidade e conversou com moradores e policiais.

Do Jobi, tradicional bar no Leblon, até a entrada do morro do Vidigal são 15 minutos de caminhada costeando o mar pela avenida Niemeyer.
De lá para o mirante do "Arvrão", uma das mais belas vistas do Rio, bem no alto da comunidade, são cinco minutos de moto pela avenida João Goulart, que sobe o morro em espiral até o mirante, cujo nome se deve a uma enorme árvore visível ao nível do mar.
A pergunta que se ouvia antes da ocupação era: "Quanto tempo os tanques demorarão para chegar lá em cima?"
Divididos em casas de alvenaria que se espalham pelas centenas de vielas e escadarias, vivem entre 13 mil moradores, segundo o IBGE, e 40 mil, segundo Wanderley Ferreira, presidente da associação de moradores.
Embora próximos, Vidigal e Rocinha são muito diferentes entre si. "A Rocinha é bem maior, é uma cidade festiva. O Vidigal tende a ser mais ordeiro, e, embora o poder aquisitivo dos moradores daqui seja menor, o nível cultural e político é maior", define.
Ele atribui a diferença a três motivos: a luta contra a remoção de moradores em 1976; a "ocupação"por artistas desde os anos 1970 -como Gal Costa, Lima Duarte e Sergio Ricardo, este ainda um morador- e a presença de ONGs voltadas à promoção cultural e social, como Nós do Morro, que forma atores e cineastas.
Há menos de um ano, havia barricadas noturnas na entrada da comunidade e homens carregando seus fuzis como se fossem joias, mas a relação com moradores era pacífica.
Só após a invasão do hotel Intercontinental por traficantes, em agosto de 2010, e da ocupação do morro do Alemão por policiais, as barricadas foram desmontadas e os traficantes trocaram os fuzis por pistolas, numa espécie de autopacificação de fachada.
A vida seguiu normalmente no Vidigal até a tarde da última quarta, quando chegaram os primeiros carros de polícia ao pé do morro.
Apenas a presença já afastou o ponto dos mototaxistas para cima, já que, das cerca de 250 motos, só por volta de 40 estão legalizadas. Os motoqueiros estavam preocupados: "Como os moradores subirão para casa sem motos?".
As noites de sexta costumam ser agitadas; bares cheios e festas se espalham pela a comunidade. A maior era o baile funk: uma enorme parede de caixas de som bloqueava uma área plana da via principal.
Na noite que antecedeu a ocupação, os bares fecharam cedo e só um grupo de dez pessoas dançava funk no máximo volume que seu pequeno aparelho de som permitia.
No sábado, a polícia começou a revistar carros e mochilas. As repetidas imagens televisivas da prisão de Antônio Bonfim Lopes, o Nem, chefe do tráfico na região, chamavam a atenção. Ao fim da tarde, filas se formaram nos supermercados. Era melhor estocar mantimentos.
Uma senhora na fila desabafou: "É guerra civil mesmo, é o governo contra o povo". A população sabia que os traficantes haviam fugido. Estava com medo da polícia.
No hostel Casa Alto Vidigal, no mirante, turistas estrangeiros jogavam pôquer e tentavam descobrir se ainda haveria alguma festa. Stewart Alsop, americano, sócio de uma pista de paintball no morro Dona Marta, começou a escrever um blog sobre a ocupação (ottrio.wordpress.com).
À meia-noite, as motos foram proibidas de circular. Só o bar do Dico estava aberto. No resto do morro, silêncio.
Em seu apartamento, o compositor Sérgio Ricardo discorria: "O povo sempre está refém de algo. A saída de bandidos do Vidigal não soluciona os problemas mais cruciais".
De volta ao alto do morro, foi possível acompanhar o desfile de tanques e homens de preto, como num Sete de Setembro sombrio. Do lado de fora do hostel, uma voz dizia: "Se eles chegarem ao "Arvrão", está tudo perdido".
A polícia conquistou o morro sem prisões nem tiros. Os policiais estavam embasbacados com a vista, que em 2010 foi capa da "Wallpaper". Moradores saíam de casa e ofereciam café aos policiais. Uma moradora exclamava: "Até que enfim! Tinha seis anos que não subia polícia aqui!".
Nídia de Paula, 61, ex-musa da pornochanchada, é síndica e corretora de imóveis de um condomínio no Vidigal. Há dois anos vendeu um apartamento dúplex com vista para o mar por R$ 120 mil; 18 meses depois, revendeu-o por R$ 300 mil. "Vai subir mais. Os preços estão muito defasados em relação ao resto da zona sul."
Na segunda-feira, a energia do morro havia mudado. A população estava aliviada, mas comerciantes reclamavam que sairá cara a legalização. Os moradores estimam aumento de R$ 100 nos gastos mensais. Uma vendedora da Sky vibrava: "Agora, sem os 'gatos', as vendas subiram 99%".
Na paisagem do morro, a grande novidade são os capacetes coloridos utilizados por motoqueiros e passageiros.

FOLHA.com
Leia a íntegra da reportagem
http://www.folha.com/no1007105

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