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São Paulo, sábado, 01 de fevereiro de 2003

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LETRAS JURÍDICAS

Ponto zero na reforma do Judiciário

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

O ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, definiu no primeiro mês de sua gestão, com clareza e em duas frases, sua visão do Judiciário brasileiro: é necessário reformá-lo para dar-lhe eficiência na entrega da Justiça oficial, da qual o Estado tem monopólio; e o recomeço deve partir do ponto zero, o que não significa, necessariamente, o abandono de todas as discussões anteriores e as autorizadas contribuições feitas.
O Judiciário brasileiro, nem todo leitor sabe, é árvore de muitas ramificações, independentes, autônomas, não submetidas a qualquer autoridade administrativa. Desse modo, quando se fala em reforma do Judiciário, não se está aludindo a um organismo homogêneo, de atividades concêntricas, orientação comum, políticas uniformes, processos, equipamentos e destinações iguais. Nem mesmo de carreiras iguais.
Há mais. Cada juiz é independente (em tese) desde a primeira instância quanto à plena liberdade de julgar segundo seu próprio critério. Digo em tese porque, na prática, deve-se lembrar que os tribunais (e nestes os órgãos especiais) decidem a promoção e a carreira de magistrados. No mundo da Justiça oficial se sabe da importância decisiva do Q.I. do candidato à promoção ou remoção para uma cidade ou uma posição melhor. O Q.I. (quem indicou o candidato?) tem sua influência.
O quadro vale no espaço interno de cada uma de nossas Justiças: as estaduais, a federal, a trabalhista, a eleitoral, as militares estaduais e nacional. Vale, ainda, no acesso aos tribunais superiores. Em todas, sem exceção, o jogo político tem curso na intimidade de cada ramo independente, pois as "justiças" não se subordinam umas às outras, como ficou dito, apesar do papel judicante dos tribunais superiores com suas siglas conhecidas: STJ, TSE, TST e STM. Está no topo a corte que diz o que a Constituição diz, o Supremo Tribunal Federal (STF), mas, ainda assim, sem interferência direta na administração das demais.
Extrai-se da síntese incompleta que acabo de fazer uma primeira conclusão: quando o ministro Marcio Thomaz Bastos, com sua alta autoridade, disse da necessidade de recomeçar do zero, manifestou a respeitável opinião de um jurista qualificado, acima da importância de seu cargo.
Inicialmente porque a reforma do Judiciário será produzida pelo Legislativo, sempre aberto a larga força de influências conflitantes, muitas das quais sérias. Em segundo lugar porque, nos assuntos dependentes da lei ordinária ou complementar, a iniciativa nos processos modificadores cabe ao próprio Judiciário, nos termos do artigo 96 da Carta Magna.
Nas emendas constitucionais é observada a iniciativa prevista pelo artigo 60 da Constituição, uma das quais é do presidente da República. Feita a proposta, a autoridade exclusiva é do Congresso, embora este, em geral, seja dócil às pressões do Executivo.
As mudanças do Judiciário nas Constituições democráticas do Brasil têm sido mais de perfumaria do que de substância. Dou um exemplo: a Justiça Eleitoral é veloz, mas o congestionamento do Judiciário só faz agravar-se. Discordo da alegação de que há lentidão em certos ramos por causa do excesso de recursos. A lentidão vem da burocratizada operação da máquina oficial, gerada pelo número insuficiente de juízes, pela remuneração injustamente baixa do funcionalismo, pelos privilégios protelatórios da administração, pelo desaparelhamento. Por isso, quando se fala em reforma, é preciso dar atenção ao âmbito das justiças que se pretende modificar, a suas rotinas, ao volume de sua clientela, de seus equipamentos não compatíveis, ir além das leis. Muito além.


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