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LETRAS JURÍDICAS
Ponto zero na reforma do Judiciário
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
O ministro da Justiça,
Marcio Thomaz Bastos,
definiu no primeiro mês de sua
gestão, com clareza e em duas frases, sua visão do Judiciário brasileiro: é necessário reformá-lo para dar-lhe eficiência na entrega
da Justiça oficial, da qual o Estado tem monopólio; e o recomeço
deve partir do ponto zero, o que
não significa, necessariamente, o
abandono de todas as discussões
anteriores e as autorizadas contribuições feitas.
O Judiciário brasileiro, nem todo leitor sabe, é árvore de muitas
ramificações, independentes, autônomas, não submetidas a qualquer autoridade administrativa.
Desse modo, quando se fala em
reforma do Judiciário, não se está
aludindo a um organismo homogêneo, de atividades concêntricas,
orientação comum, políticas uniformes, processos, equipamentos
e destinações iguais. Nem mesmo
de carreiras iguais.
Há mais. Cada juiz é independente (em tese) desde a primeira
instância quanto à plena liberdade de julgar segundo seu próprio
critério. Digo em tese porque, na
prática, deve-se lembrar que os
tribunais (e nestes os órgãos especiais) decidem a promoção e a
carreira de magistrados. No mundo da Justiça oficial se sabe da importância decisiva do Q.I. do candidato à promoção ou remoção
para uma cidade ou uma posição
melhor. O Q.I. (quem indicou o
candidato?) tem sua influência.
O quadro vale no espaço interno de cada uma de nossas Justiças: as estaduais, a federal, a trabalhista, a eleitoral, as militares
estaduais e nacional. Vale, ainda,
no acesso aos tribunais superiores. Em todas, sem exceção, o jogo
político tem curso na intimidade
de cada ramo independente, pois
as "justiças" não se subordinam
umas às outras, como ficou dito,
apesar do papel judicante dos tribunais superiores com suas siglas
conhecidas: STJ, TSE, TST e STM.
Está no topo a corte que diz o que
a Constituição diz, o Supremo
Tribunal Federal (STF), mas, ainda assim, sem interferência direta
na administração das demais.
Extrai-se da síntese incompleta
que acabo de fazer uma primeira
conclusão: quando o ministro
Marcio Thomaz Bastos, com sua
alta autoridade, disse da necessidade de recomeçar do zero, manifestou a respeitável opinião de um
jurista qualificado, acima da importância de seu cargo.
Inicialmente porque a reforma
do Judiciário será produzida pelo
Legislativo, sempre aberto a larga
força de influências conflitantes,
muitas das quais sérias. Em segundo lugar porque, nos assuntos
dependentes da lei ordinária ou
complementar, a iniciativa nos
processos modificadores cabe ao
próprio Judiciário, nos termos do
artigo 96 da Carta Magna.
Nas emendas constitucionais é
observada a iniciativa prevista
pelo artigo 60 da Constituição,
uma das quais é do presidente da
República. Feita a proposta, a autoridade exclusiva é do Congresso, embora este, em geral, seja dócil às pressões do Executivo.
As mudanças do Judiciário nas
Constituições democráticas do
Brasil têm sido mais de perfumaria do que de substância. Dou um
exemplo: a Justiça Eleitoral é veloz, mas o congestionamento do
Judiciário só faz agravar-se. Discordo da alegação de que há lentidão em certos ramos por causa
do excesso de recursos. A lentidão
vem da burocratizada operação
da máquina oficial, gerada pelo
número insuficiente de juízes, pela remuneração injustamente
baixa do funcionalismo, pelos
privilégios protelatórios da administração, pelo desaparelhamento. Por isso, quando se fala em reforma, é preciso dar atenção ao
âmbito das justiças que se pretende modificar, a suas rotinas, ao
volume de sua clientela, de seus
equipamentos não compatíveis, ir
além das leis. Muito além.
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