São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Professores da PM e da Polícia Civil destacam que formação é legalista e vêem tortura como desvio de conduta

Abuso policial é exceção, afirma delegada

DA REPORTAGEM LOCAL

"Se [o abuso policial] fosse problema da estrutura, poderíamos esperar que toda a classe perpetuasse o mesmo crime", afirma a delegada Aurora Vicentim Temer de Brito, professora da disciplina de direitos humanos e polícia comunitária da Academia de Polícia Civil de São Paulo.
Para ela, os policiais civis que usam a tortura como método de trabalho são exceção. São desvios de conduta que, segundo a delegada, contrariam a formação dada ao policial.
Direitos humanos é disciplina na academia paulista desde o final de 1988, de acordo com a delegada. A carga horária para um policial novato é de 20 a 36 horas, dependendo da função, além de o tema estar incluído nos cursos de aperfeiçoamento.
"É preciso desmitificar para o policial a visão de que direitos humanos só tratam do direito do bandido. E isso se faz com a análise global da evolução desses direitos", diz ela.
Para a delegada, a carga horária da sua disciplina é suficiente para dar uma boa noção aos policiais. "Começou com quatro horas, hoje está com 36. Pode mudar, se acharmos que há necessidade", afirma.
A professora se diz surpresa com o resultado da pesquisa Datafolha, que apontou que 24% dos entrevistados admitem a possibilidade de o suspeito ser torturado pela polícia.
"Esses pensamentos surgem em momentos de clamor popular provocados por crimes de repercussão, e parte da imprensa tem culpa nisso. Depois desses episódios, as opiniões tendem a voltar ao normal", diz.

Polícia Militar
O tenente-coronel André Luiz Rabelo Vianna, professor de direitos humanos e polícia comunitária da Polícia Militar, afirma que o termo passou por um desgaste.
"A expressão direitos humanos foi desgastada por um uso deturpado. Com a formação, o policial percebe que a palavra é fantástica", disse o oficial.
Direitos humanos é disciplina na formação de PMs desde 1998 - dez anos depois da implantação da matéria na formação da Polícia Civil. A carga horária é de, no mínimo, 36 horas. Antes, a disciplina se chamava cidadania.
Segundo o tenente-coronel, na PM paulista existem hoje 230 oficiais e 150 sargentos que trabalham como instrutores da disciplina de direitos humanos.
Vianna classifica como "inaceitável" a opinião de parte dos entrevistados, que admite a possibilidade de tortura como método investigativo. "Se na guerra não se admite a tortura, o que se dirá na paz?", questiona.
Para o tenente-coronel, os defensores de métodos de tortura não pensam na possibilidade de eles mesmos serem vítimas de procedimentos ilegais.
"Ele aceita a prática de tortura desde que não seja com parente dele, amigo dele ou com ele mesmo", afirma o oficial.
A pesquisa também mostra, segundo o tenente-coronel, que a população desconhece o trabalho da polícia. "Talvez a população precise conhecer um pouco mais o que faz a sua polícia, que é legalista." (GILMAR PENTEADO)


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