São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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Problema acontece em 5% dos pacientes; alcoolismo, bulimia e compulsão por compras são comuns após cirurgia

Depressão é "lado B" de redução de estômago

DÉBORA YURI
DA REVISTA

Com um prontuário de 1,70 m de altura, 180 kg, pressão alta, dificuldades respiratórias, desmaios repentinos, "quase explodindo" e infeliz, a microempresária Rosana Lasman, 39, submeteu-se à cirurgia de redução do estômago. Um ano e duas plásticas para eliminar as "pelancas" depois, prestes a usar seu primeiro biquíni, ela se viu com o peso desejado, 70 kg. E entrou em depressão.
O drama da microempresária representa o "lado B" do pós-operatório das cirurgias de redução do estômago, cada vez mais usadas no combate à obesidade mórbida, quando o excesso de gordura impede uma vida normal e pode acarretar problemas de saúde.
A maioria dos operados tem sucesso no objetivo principal -o de perder peso. Mas, segundo Carlos Haruo Arasaki, 40, coordenador das cirurgias de aparelho digestivo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), cerca de 5% dos pacientes manifesta algum grau de depressão após a cirurgia.
"Ela pode acarretar bulimia ou anorexia, compulsão por compras, doces ou sexo, alcoolismo, dependência de drogas, depressão e, no limite, tentativas de suicídio", afirma Dan Waitzberg, 52, professor de gastroenterologia e cirurgia digestiva da Faculdade de Medicina da USP.
Além de deprimida, Rosana teve bulimia. Subia na balança de cinco em cinco minutos. "Com medo de engordar de novo, aprendi a vomitar, foi uma beleza. Quando emagreci, substituí o que gastava em comida por roupas, sapatos, cremes, perfumes."
Isso acontece porque, segundo Waitzberg, o obeso mórbido substitui a falta de afeto e a ansiedade pela comida. "Ele [obeso mórbido] tem fixação pelo ato de comer. Quando é operado, fica privado do seu grande prazer."
Não conseguir perder os quilos propostos, o que ocorre em cerca de 10% dos operados, também contribui para a depressão.
Encantada com as novas formas de uma vizinha que tinha sido operada, a dona-de-casa Aparecida Meira Alves da Silva, 34, chegou a engordar para poder fazer a cirurgia. "Eu estava com 102 kg e precisava chegar aos 107 kg", diz.
Já com 57 kg (tem 1,68 m), ela entrou em depressão e tentou o suicídio duas vezes. Hoje, toma antidepressivos.

Psicólogo de plantão
Além disso, para quem comia "uma tonelada", passar a fazer refeições de 150 g não é fácil. "Os pacientes que estiverem preparados para comer menos serão mais capazes de tolerar as mudanças", diz Waitzberg.
No Brasil, onde 30% da população está acima do peso ideal e de 12% a 15% sofrem de obesidade mórbida, estima-se que o número de operações tenha mais que triplicado nos últimos cinco anos.
Segundo Marlene Monteiro da Silva, 50, psicóloga responsável pelo Grupo de Cirurgia da Obesidade Mórbida do Hospital das Clínicas de São Paulo, o período mais crítico é de um a dois anos após a operação. "Nessa fase, sentem que precisam enfrentar a vida e que não é porque emagreceram que vão arrumar um namorado ou um emprego melhor."
Marlene instituiu as reuniões entre obesos operados e os que desejam operar. "É um jeito de os primeiros relatarem aos outros como fica a vida depois da cirurgia", diz a psicóloga.
"O obeso sente a carga de ser visto como alguém diferente, de não poder fazer certas coisas, de ter dificuldades no namoro", observa Arthur Garrido Jr., 63, professor da Faculdade de Medicina da USP e cirurgião do hospital Albert Einstein.
Para ele, o obeso pode usar sua condição de gordo como desculpa. "Sem ela, a pessoa é obrigada a enfrentar dificuldades que antes não existiam, como o desafio da sexualidade, do trabalho, da competição. Nesses casos, é impossível aceitar bem a cirurgia."
Ana Ruth Marcondes Martins, 30, dona de lanchonete em Guaratinguetá (SP), que amarrou o estômago há dois anos e meio, sente mais falta de carne, que agora só pode comer moída, e de arroz -não suporta mais do que uma garfada.

Festas e churrascos
"Eu fico estressada, quero comer, aí começo a pirar. Às vezes, eu preferia não ter feito a cirurgia. Principalmente em festas e churrascos: é uma tristeza. No máximo eu posso experimentar um naco de alguma coisa", diz Ana, que pesava 109 kg e hoje tem 55 kg e toma antidepressivos.
Ela conta que sente falta de acordar no meio da madrugada para assaltar a geladeira -religiosamente, fazia um prato cheio de arroz, feijão e bife, junto com refrigerante. "Não recomendo a cirurgia para quem gosta de comer bem", afirma. Seu marido, Benedito, 29, 109 kg, diz que a mulher "sofreu muito", e rechaça passar pela cirurgia.
"Imagina não poder mais comer uma picanha e tomar uma dúzia de cervejas toda noite? Eu morro. Como eu ia viver sem a minha churrasqueira?"


Leia a íntegra da reportagem no site www.uol.com.br/revista


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