São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2004

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HIGH SOCIETY

Por uso de ilhas de até US$ 5 mi, paga-se tributo de R$ 12 mil por ano

Elite brasileira encontra paraíso em Angra dos Reis

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
Meninas passeiam em Itanhangá, uma das 365 ilhas de Angra dos Reis (RJ) que atraem milionários de todo o país


SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A ANGRA DOS REIS (RJ)

ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

São doces as preocupações da parcela exclusiva da elite brasileira que freqüenta o verão de Angra dos Reis, no sul do litoral do Rio de Janeiro. Vai ter sol neste fim de semana? O barco já está na água? O marinheiro colocou o champanhe para gelar? Vou conseguir convite para a festa de hoje?
Esse cotidiano de Olívia Borges, 21, estilista recém-formada de Belo Horizonte, começa numa das casas do condomínio localizado no interior do Hotel do Frade Golf & Resort, numa das baías de Angra, R$ 500 mil em média a unidade, todas com entrada separada para barco -no caso dela, uma lancha Cabrasmar de 50 pés que vale cerca de US$ 100 mil.
Seus colegas são filhos de milionários paulistas e cariocas, que vivem em ilhas de até 300 mil metros quadrados cujos valores chegam a US$ 5 milhões e que, graças a um instrumento jurídico da época do Império Romano, pagam entre R$ 5.000 e R$ 12 mil de tributo por ano ao governo.
Do Frade, o primeiro conglomerado de luxo a surgir na região, saem nove em cada dez lanchas que singram o mar azul e transparente do arquipélago de 365 ilhas, que quase não conta com praias no continente, o que o torna exclusivista por natureza -barco é caro de se ter, e ilha, de se manter.
Os freqüentadores dessas águas ficam de frente para o mar e de costas para uma cidade pobre, Angra dos Reis, 120 mil habitantes, 0,772 de IDH (índice de desenvolvimento humano), 36º do Rio, 1.268º do Brasil. As encostas do povoado, antes tomadas pela mata atlântica, hoje abrigam favelas.
Os turistas chegam aqui de barco, vindos do Guarujá e Ubatuba, em São Paulo, e mesmo do Rio, ou de helicópteros, que decolam de todos os lugares e pousam nos condomínios. São superiates como o Deslize, de 100 pés (30,48 m), com helicóptero acoplado, valendo US$ 10 milhões -irmão quase gêmeo do "Pilar Rossi", do ex-campeão de F1 Nelson Piquet, onde passeava, na semana passada, o primeiro-casal fluminense Rosinha e Garotinho.
Ou a jóia local, o Ravi, de 110 pés, que no ano retrasado foi locado pelo programa "Caldeirão do Huck" para o quadro "Amor a Bordo" e que a TMB Tours aluga por US$ 5.000 por dia, com direito a três tripulantes, um chefe de cozinha, capacidade para 20 pessoas e pernoite para dez. "Mas só vou ter data depois do dia 8", avisa a vendedora Luciene Gomes.
A primeira parada de Olívia neste dia será a praia do Dentista, na ilha da Gipóia. Nos finais de semana, é o point dos points da juventude dourada de Angra, provavelmente um dos únicos lugares do mundo que sofrem congestionamento de lanchas e iates.
A essa rua-Augusta-sobre-ondas vêm os meninos que querem exibir o modelo novo de sua lancha, as meninas que querem tostar no deck das embarcações, tudo regado a sushi e saquê, servido por um barco-restaurante, com direito a um bote de borracha que faz delivery às lanchas distantes.
A Dentista, que ganhou o nome por já ter abrigado a casa de veraneio de Olímpio Fayssol, dentista de poderosos e celebridades, como o ex-presidente Collor e sua mulher, Rosane, no auge da República das Alagoas, conta ainda com o Jango's Bar, numa jangada.
"É show", resume Olívia, neta do ex-banqueiro Gilberto Faria, do Banco Bandeirantes, agora já acompanhada de seu namorado, Gustavo Perrella, filho de Zezé Perrella, vice-presidente do Cruzeiro. Cai a tarde e os celulares começam uma sinfonia irritante.
"Você arrumou convite pra ilha?" "Dá para me levar para a ilha?" "Alguém me coloca para dentro da ilha?" A ilha é a Isla Vivo, um club marítimo bancado pela operadora de telefonia móvel, que toma toda a ilha de Cunhambebe-Mirim. A cada verão, há uma ilha para se ir à noite.
Já foi a ilha do Ouriço, a do Arroz e, mais recentemente, a ilha de Chivas e a ilha Mandala, ambas na mesma locação da Vivo (já houve até uma balsa-club, a Audi al Mare, no verão passado). A idéia das empresas é fortalecer a marca na cabeça da garotada.
Para tanto, Vivo, a cervejaria Schin, o laboratório Pfizer e outras torraram R$ 2 milhões para fazer a Isla. Chamaram quatro nomes da noite, que fizeram o lugar acontecer. Na festa pré-Réveillon, havia de Luana Piovani a Daniela Cicarelli -que na semana passada fugia dos paparazzi num barco com seu novo namorado.
A Isla oferece de tenda com massagem a restaurante japonês, além de uma pista inacreditável com vista para o mar, um bar com piscina e até uma drogaria que vende Viagra com desconto. "A meninada compra Viagra, camisinha e epocler e está pronta", entrega o vendedor. "Sai mais que água de coco em dia de calor."
O paraíso tem preço: R$ 60 o ingresso para os homens, R$ 40 para as mulheres. Lá dentro, a latinha de cerveja sai por R$ 7, e um camarote estilo tenda, fechado para oito pessoas, R$ 2.500, com direito a duas garrafas de uísque e uma de champanhe.
As ilhas são um capítulo à parte de Angra. Há uma procissão de barcos visitando as dos mais famosos. Na Gipóia fica a casa de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. A dos Porcos Grande é do cirurgião plástico Ivo Pitanguy. A do Arroz, do jovem empresário mineiro Henrique Alves Pinto. A do Capítulo, do milionário português João Pereira Coutinho, que pagou R$ 16 milhões.
O valor não é exceção. Na semana em que a Folha visitou o arquipélago, a ilha do Japão estava anunciada a US$ 1,5 milhão. Pela dos Porcos Pequena se pedia US$ 3,5 milhões. Só que, na verdade, ninguém é dono de nada. A Constituição define que todas as ilhas são da União.
As pessoas podem, porém, obter o direito de uso de uma, por meio de um instituto jurídico chamado enfiteuse, surgido durante o Império Romano, que transfere a posse mediante o pagamento de uma taxa anual à União, chamada foro. Essa taxa é calculada à proporção de 0,6% do valor de avaliação do terreno, sem benfeitorias.
Se os valores todos em Angra são superlativos, os tributos pagos são insignificantes. Os "donos" de ilhas costumam desembolsar entre R$ 5.000 e R$ 12 mil por ano ao governo. A dos Porcos Grande, por exemplo, que tem 300 mil metros quadrados, rende aos cofres federais R$ 7.000.
É o domínio de Pitanguy, que a ocupa há mais de 30 anos. "Naquela época, a ilha não valia nada e nós conseguimos conquistá-la", disse à Folha. Desde então, construiu cinco pequenos bangalôs para moradia, um pavilhão para refeições e um pavilhão para jogos, com sala de cinema. Há ainda bar, sauna e um campo de pouso para aviões de pequeno porte.
O senador Ney Suassuna (PMDB-PB) ocupa a Imboassica desde 1985. Ele diz não lembrar o valor do foro pago pela propriedade de 11 mil metros quadrados, mas acredita ser algo entre R$ 15 mil e R$ 20 mil -para ter uma idéia, um apartamento de 200 metros quadrados nos Jardins, em São Paulo, pagará um IPTU de R$ 5.000 em 2004.
Mas voltemos ao final do dia de Olívia Borges. A madrugada na Isla Vivo dá os últimos sinais de vida. Uma procissão de iates começa a deixar o píer. Aí mora outro perigo: acidentes. Há muitas festas nas ilhas. Elas são freqüentadas por meninões, e alguns acabam bebendo além da conta. E saem pilotando os barcos.
"Aos sábados à noite, os condomínios fecham seus portos com bóias", revela o marinheiro Moisés, 52 anos, 40 de mar. "Para evitar que a meninada se estabaque nos decks, como já aconteceu."
Não há estatística oficial de acidentes na baía de Angra, mas alguns números são eloqüentes. São 18 mil embarcações registradas, número que vai a 30 mil no verão -e menos de dez pessoas para vigiar. Só no dia 1º de janeiro, houve quatro acidentes. Também o paraíso tem problemas.



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