|
Próximo Texto | Índice
LITERATURA SUBTERRÂNEA
Edifício do centro abriga no subsolo cerca de 3.000 livros, que incluem obras de Kafka e Balzac
Sem-teto faz biblioteca em prédio invadido
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL
Antes ocupado por entulho, esgoto e água de enchente, o subsolo do edifício Prestes Maia, 911,
uma das principais favelas verticais da cidade de São Paulo, agora
abriga uma biblioteca com cerca
de 3.500 obras, entre livros, revistas, gibis e enciclopédias.
A "reforma" foi feita por um
grupo de sem-teto que invadiu o
local em 2002 e mora ali em condições precárias -com ligações
clandestinas de água e luz, divisórias de madeiras e um banheiro
para cada 15 famílias, em média.
A biblioteca dos sem-teto, que
funciona desde dezembro, tem
mais publicações do que as salas
de leitura de colégios municipais,
que são entregues com acervo inicial de 2.000 livros.
Entre os seus títulos, há obras de
Machado de Assis, Mark Twain,
Kafka, Balzac, Milan Kundera,
Jorge Amado e Paulo Coelho e a
coleção de Harry Potter.
O acervo do Prestes Maia foi
formado com doações de uma
ONG e de uma escola, mas também com publicações recolhidas
no lixo. As prateleiras e os tapetes
que decoram a biblioteca foram
obtidos por doação.
O colégio Móbile foi um dos que
deu obras aos sem-teto. A coordenadora de 1ª a 4ª série da escola,
Eliana Tayano, diz que a doação
de 600 livros é a primeira etapa de
um projeto comunitário. "Nossa
idéia é ir ao prédio para contar
histórias", afirma.
O controle do empréstimo de livros na biblioteca é feito pelo catador Severino Manoel de Souza,
56, que tem um caderno para
anotar as entradas e saídas.
Foi dele a idéia de fazer uma biblioteca no prédio. "Encontrava
livros e não tinha coragem de
mandar para a reciclagem", diz.
Ele nunca freqüentou a escola e
aprendeu a ler com "uma cartilha
de ABC e a ajuda de um tio".
O devorador de livros do Prestes Maia é o ambulante Lamartine
Brasiliano, 38, que lamenta que o
lugar não tenha ainda obras do escritor Gabriel García Márquez
(leia nesta página).
Para incentivar a leitura, no
subsolo está pichada uma frase do
jornalista Paulo Francis: "Quem
não lê não pensa, e quem não
pensa será para sempre um servo". Há desenhos de Bob Marley e
Che Guevara nas paredes.
Reintegração de posse
A biblioteca atende às 468 famílias que moram no prédio, ligadas
ao MSTC (Movimento dos Sem
Teto do Centro). Mas os habitantes podem não ter tempo de usufruir do acervo: a PM se prepara
para fazer a reintegração de posse,
autorizada pela Justiça, no local.
O despejo deve ocorrer a partir do
dia 15 de fevereiro.
As famílias se dividem nos 20
andares de dois blocos em locais
parecidos com barracos, separados por pedaços de madeira e
com poucos móveis. Os corredores são coloridos por roupas penduradas, e os vidros das janelas,
quebrados, foram substituídos
por papelão. A maioria dos habitantes trabalha como ambulante
ou faz bicos.
Porém, diferentemente da
maioria da população de baixa
renda da cidade, que não tem
acesso à cultura, as famílias do
Prestes Maia vão freqüentemente
à Pinacoteca do Estado. Em 2005,
os sem-teto integraram o Programa de Inclusão Sociocultural do
museu, onde estiveram sete vezes.
Próximo Texto: Saiba mais: Ocupado em 2002, edifício abriga 468 famílias Índice
|