São Paulo, domingo, 01 de fevereiro de 2009

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"Não se deve temer dinheiro privado", afirma diretor da Faculdade de Direito

DA REPORTAGEM LOCAL

Para João Grandino Rodas, diretor da Faculdade de Direito da USP, doações privadas não substituem a obrigação do governo de investir na instituição.
No cargo desde 2006, Rodas diz também que é preciso aderir ao ensino a distância para aumentar a abrangência da faculdade (que recebe anualmente 460 novos alunos em São Paulo e cem no campus de Ribeirão Preto) e que, para fazer jus ao nível de alunos que passam no vestibular da Fuvest, a instituição precisa de mais rigor nas avaliações.

FOLHA - Quem cursou universidade pública deve recompensar o contribuinte?
JOÃO GRANDINO RODAS
- Eu acho que sim. As mensalidades das faculdades mais simples custam R$ 800, R$ 1.000. O que sugerimos é, por ano, doação equivalente a um mês de uma faculdade barata de direito.
Mas há várias formas de ajudar: com dinheiro, uma habilidade, pondo-se a serviço. Acho que só o fato de dar aula na universidade, com os salários universitários, a infraestrutura universitária, é uma retribuição.

FOLHA - Por outro lado, há quem tema que a abertura para o dinheiro privado seja um caminho para o governo se desobrigar de investimentos em universidades públicas ou até para a privatização.
RODAS
- Em primeiro lugar, buscamos no poder público tudo o que ele possa dar. Mas não se deve ter medo de, para atingir objetivos, buscar dinheiro privado, desde que eles [os doadores] não tenham interferência na concepção do projeto pedagógico e de pesquisa da escola. Não é privatização. É doação de verbas que são colocadas a serviço público.

FOLHA - Mas o público tem acesso?
RODAS
- A USP recebe cada vez mais uma classe média menos dotada economicamente. Não há dados, mas nota-se claramente isso. Mas é importante que também que se façam mais políticas [para ampliar a inclusão]. A virtualidade vai aumentar as vagas da universidade pública brasileira no futuro.

FOLHA - E isso é bom?
RODAS
- Educação semipresencial é uma tendência. Se for bem feito, é bom. O número de alunos a médio e longo prazo aumentará pelas ferramentas virtuais. Essa história de que só se aprende numa classe não é universal. E hoje não é um simulacro achar que os alunos frequentam, quando muita gente não frequenta as aulas?

FOLHA - Aqui também [muita gente não frequenta]?
RODAS
- Aqui também. É simulacro. É um simulacro pensar que o professor dá aula. Quantos professores vão lá e matam o tempo todo?

FOLHA - Aqui também?
RODAS
- Aqui também. Entendeu? Mas estamos apegados à forma de que, se você não for para a aula, não sentar lá e não ouvir o professor falar... [Com aulas por videoconferência], o professor não poderá simplesmente chegar na sala e dizer: "Ontem eu fui ao fórum, li uma ação tal, e o juiz falou isso..." Ele vai ter que preparar a aula dele.

FOLHA - Consegue-se burlar o controle de frequência na faculdade?
RODAS
- Muito provavelmente, no Brasil inteiro, em todos os lugares, essa avaliação [de presença] acaba sendo mais pró-forma. Mesmo quando existe, muitos dos que vão [à aula] vão por obrigação.

FOLHA - O vestibular é justo?
RODAS
- O vestibular da Fuvest tende a escolher os melhores alunos. Entretanto, tenho meditado: nós recebemos os melhores alunos, portanto, teríamos que fazer com que a avaliação [ao longo do curso] fosse um pouco mais séria, mais rígida. Porque a gente recebe os melhores e, se a avaliação fosse mais profunda, deveríamos devolver os melhores.
É óbvio que devolvemos muitíssimos bons, mas aquela homogeneidade que recebemos dos melhores não se repete na outra ponta.

FOLHA - Por quê?
RODAS
- Há uma tradição, que não é só nossa, é brasileira, do extremo paternalismo que o professor tem com o aluno. Isso não é mais possível. Você coloca no mercado uma pessoa formada com sua chancela, você tem obrigação de ter testado essa pessoa.
Isso até mesmo do prisma do direito do consumidor, para demonstrar claramente que nós estaríamos, se não devolvendo ao mercado alguém melhor, mas pelo menos tão bom quanto entrou.


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