|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DANUZA LEÃO
Por favor, me expliquem
Franklin Martins não deixava de dizer o que pensava sobre o governo -esse mesmo de que agora é empregado
|
EU ENTENDO de algumas coisas,
mas de outras confesso minha total ignorância. Do assunto Franklin Martins, por exemplo. Só para começar, o que faz uma
pessoa que ganha - e sem nem fazer
muito esforço - entre R$ 50 mil e
R$ 100 mil por mês, se demitir para
aceitar um cargo onde vai passar a
ganhar R$ 8.000. Estranho, não?
É bem verdade que nesse novo
cargo ele vai ser, no lugar de jornalista, ministro, e colado ao poder. Será
então vaidade? Ambição?
Mas ainda tem mais; a pessoa em
questão, Franklin Martins, era dos
melhores comentaristas políticos da
TV, um homem corajoso, que não
deixava de dizer o que pensava em
relação ao governo -esse mesmo
governo de que agora é empregado.
Quem acompanhou os duros tempos da ditadura sabe que quem escreveu a famosa carta aos militares,
exigindo a libertação de 15 companheiros em troca da vida do embaixador americano, Charles Elbrick,
foi Franklin Martins. Bela carta,
aliás. Não passa pela cabeça de ninguém que uma pessoa com aqueles
ideais aceite ser porta-voz do governo do presidente Lula, a quem ele
nunca poupou. Bela jogada do presidente, aliás. Mas tem mais: além de
porta-voz, é ele quem vai cuidar de
toda a publicidade do governo. Isso
significa que se algum jornal disser
alguma coisa que ele ache que não
caiu bem, ele tem o poder de cortar a
publicidade dos órgãos oficiais
-Banco do Brasil, Caixa Econômica, e por aí vai. Não só o poder como
o dever, penso eu. Não vamos também nos esquecer de que um dos 15
libertados no episódio do seqüestro
do embaixador foi o ex-deputado
cassado José Dirceu, que não cansa
de mexer seus pauzinhos para ser
anistiado, e agora já está metido até
em negócios com o etanol.
Eu queria que alguém me explicasse se está certo Franklin Martins
aceitar esse emprego. Com isso ele
joga no lixo sua biografia, o que talvez para ele não tenha a menor importância. Mas para muita gente
tem.
Eu, uma modesta cidadã, não vou
acreditar mais em uma só palavra do
que ele disser, e vou ficar de olho
nessa história da publicidade oficial,
que vai estar nas mãos dele.
Até agora não ouvi nem li ninguém falar sobre o assunto, dizer se
ele fez bem ou mal em assumir o tal
cargo, se ele não deveria ter recusado. Em outros tempos - até umas
duas semanas atrás - eu ficaria orgulhosa de ser apresentada a esse
homem que teve coragem para tanta
coisa.
Hoje, mais não. Será que é o passar
dos anos que faz com que as pessoas
mudem? Ou eu estou completamente errada e ele tinha todo o direito de aceitar ser porta-voz do governo Lula?
Preciso que alguém me esclareça,
alguém em quem eu acredite, alguém que seja correto, honesto, que
não tenha mudado com o tempo.
Que tenha conhecido Franklin Martins profundamente, e que possa me
explicar o que se passou com ele, se é
normal que as pessoas mudem, até
para que eu entenda que a vida é assim mesmo, e me conforme com isso, ou se continuo com minhas opiniões, mesmo sozinha, mesmo que
talvez errada.
E a única pessoa que gostaria que
me falasse sobre isso, e na qual eu
acreditaria, chama-se Fernando Gabeira. Eles foram companheiros,
Gabeira deve entender.
Diga alguma coisa a respeito, Gabeira; diga tudo que você acha, Gabeira, porque estou precisando de
sua opinião.
Aliás, só da sua.
Texto Anterior: Após motim, FAB reage a acordo e entrega a gestão do tráfego aéreo civil Próximo Texto: Há 50 anos Índice
|