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ANÁLISE
Militares nunca engoliram Pires
IGOR GIELOW
SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O descaso do governo Lula
com a gestão da crise aérea e a
teoria sindicalista de relações
de poder acabaram de colocar o
Brasil frente ao maior impasse
na área militar desde a redemocratização, em 1985.
Houve crises anteriores. No
governo Sarney, eram variadas
-houve vazamento de planos
para endurecimento do regime,
em 87, e um quase-levante por
melhores soldos no ano seguinte. Collor e Itamar tiveram relações difíceis, e mesmo o diplomático FHC teve de enfrentar uma revolta no generalato
por mais verbas em 2000.
Mas o ineditismo da crise
atual reside no fato de que há
uma quebra de hierarquia legitimada pelo poder civil. Não
que alguém vislumbre idéias
golpistas, cujas sombras sempre são exageradas; é a natureza da relação entre políticos e
militares que está em jogo.
O fundamento da instituição
militar é o respeito pela hierarquia. Há intrigas, traições, grupos internos, como em qualquer agrupamento humano.
Mas o edifício de uma Força
militar é baseado na disciplina
-com tudo de hipocrisia que
isso possa implicar, e não está
em questão na crise atual.
Os militares nunca engoliram o ministro Waldir Pires, da
Defesa. Nem tanto pelo passado antimilitar e esquerdista do
ministro, mas pelo fato de ele
ter tratado os controladores de
vôo como "companheiros".
Seu movimento inicial na crise, de abrir canais com os sargentos que controlam os vôos,
acabou sendo desmontado aos
poucos. A FAB endureceu progressivamente, seguindo o seu
princípio da hierarquia.
Como sempre, há abusos relatados. O Comando da Aeronáutica exagerou? Provavelmente. Mas é preciso ter em
mente que, dada a estrutura
precária do sistema de controle
de vôo num ambiente militar,
não havia outro caminho concebível para a FAB.
Enquanto isso, o governo
enrolou os envolvidos. Fez uma
pantomima de desmilitarização, prometeu discutir aumentos e, principalmente, deixou
os passageiros ao léu. Um sistema de gerenciamento civil ineficiente, baseado na Anac e Infraero, completou a equação
junto a empresas despreparadas e gananciosas.
Resultado: crise crônica com
agudizações eventuais. E os
controladores nem eram os
principais artífices nos apagões
anteriores, embora levassem a
culpa sistematicamente.
O problema é que anteontem
a corda, esticada desde outubro
do ano passado, estourou. Os
controladores explicitaram de
vez o poder que a estrutura lhes
permite. Meia dúzia de sargentos podem parar o país.
Sem opções ao ver o sistema
aéreo entrar em colapso em 20
minutos na noite de sexta, o governo federal cedeu. Dobrou os
joelhos e desautorizou o comandante da FAB, Juniti Saito.
Como o presidente Lula está
fora, a negociação foi tocada no
melhor estilo chão-de-fábrica
pelo ministro Paulo Bernardo.
Humilhou Saito: além de vetar a ordem de prisão que ele
pretendia aplicar aos amotinados, não permitiu que ele participasse das negociações. Saito
pode até compor, ao estilo sindical do governo, mas o caminho natural seria entregar o
cargo.
Para piorar, o acordo que
Bernardo costurou subverte a
ordem militar, ao garantir que
não haveria punições para uma
situação de motim. O movimento pode incentivar a outros
militares mal-pagos a fazer
suas exigências. Militar não é
sindicalista.
O controle dos vôos deve ser
civil? Há argumentos para o
sim e o não. O que não dá é tentar resolver a coisa sob ameaça,
com um documento rascunhado às pressas.
E o governo não pode nem
dizer que com isso evitou o
caos. Ele já está aí, e o texto não
dá garantia alguma de que os
controladores não repetirão o
movimento da sexta.
Os sargentos têm seu ponto:
são insubstituíveis no cenário
atual. Os operadores da Defesa
Aérea precisam de meses de
treinamento para assumir as
cadeiras dos colegas, para ficar
na opção que Saito cogitou na
sexta-feira. É receita pronta para novos acidentes.
Lula, que se gaba de ter poderes fenomenais de negociação
outorgados por anos de sindicalismo, terá que acalmar as
Forças Armadas, provavelmente entregando a cabeça de Pires, mas é improvável que a situação na Aeronáutica se pacifique sem que os controladores
sejam enquadrados. E, se isso
acontecer, o país pode parar de
novo. O nó é enorme.
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