São Paulo, quarta-feira, 01 de maio de 2002

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URBANIDADE

Palacete sequestrado

Vincenzo Scarpellini
CASA BOLA, RUA AMAURI Em 1972 Eduardo Longo, arquiteto, iniciou as obras de seu módulo habitacional em forma de esfera. Dentro não se encontram ângulos: as paredes curvas (mais arcos em expansão que muros inertes) emendam a abóbada e criam uma espécie de intimidade monumental. Por fora, parece um pequeno planeta caído no mundo sublunar, carregado de razão e de emoção em partes iguais (VINCENZO SCARPELLINI)

GILBERTO DIMENSTEIN

COLUNISTA DA FOLHA

Q uando a Secretaria da Segurança se mudou para a rua Líbero Badaró, no Centro, o palacete em que estava instalada ficou vazio, sem uso, num dos pontos mais valorizados de São Paulo, vizinho ao shopping Pátio Higienópolis. O palacete, construído por Nhonhô Magalhães, é uma das relíquias do baronato do café paulista, com vitrais belgas, tetos de madeiras nobres e tapeçarias francesas. Tornou-se, porém, vítima da onda de sequestros.
No começo do século passado, a elite começou a fugir das inundações frequentes no bairro dos Campos Elíseos, onde morava. Também queria mais distância dos bairros operários, infestados de doentes e de imigrantes. Encantou-se com o bairro de Higienópolis (cidade da higiene), planejado para ser um pedaço de uma aristocrática Europa dentro de São Paulo. Para completar o requinte europeu, Nhonhô Magalhães construiu um teatro no subsolo do palacete para se deleitar com música erudita. Excêntrico, construiu passagens secretas para se proteger de aborrecimentos e afastar visitantes. Mas nunca chegou a usar essas passagens: morreu em 1931, antes de o projeto ser finalizado.
Os visitantes que se acomodaram naquele cenário de refinamento europeu foram os policiais. Por muito tempo, muita gente achava um absurdo que o lugar alojasse a Secretaria da Segurança, já que existiam tantos imóveis disponíveis na região central. Mas os moradores das redondezas não se mostravam entusiasmados em perder um vizinho especialmente querido numa cidade devastada pela violência. A vocação óbvia do palacete seria abrigar um centro cultural -ainda mais depois da valorização da rua com a construção do shopping.
No esforço de valorização do centro, a secretaria mudou de endereço, mas, neste ano, antes mesmo que se discutisse o destino do palacete, a delegacia anti-sequestro entrou em ação, inspirada, em parte, pela necessidade do governo de dar visibilidade à guerra contra os sequestros e, em parte, pela esperança de acalmar um bairro em que vive uma fatia da elite paulistana -e, onde, aliás, foi sequestrado o publicitário Washington Olivetto.
A julgar pela disposição do governo estadual e, especificamente, pela da Secretaria da Segurança, a idéia do centro cultural vai ter o mesmo destino de Nhonhô Magalhães: vai morrer antes de entrar no palacete.

E-mail - gdimen@uol.com.br



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