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DOR DA PERDA
Para Colin Murray Parkes, período é etapa de transição e pode ser um momento para recriar a própria história
Psiquiatra inglês analisa o luto e vê o amor
FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos maiores especialistas
em luto no mundo, o psiquiatra
inglês Colin Murray Parkes, 77,
parou na frente de uma escultura
em mármore negro, a de que mais
gostou em seu passeio pela Pinacoteca do Estado de São Paulo na
tarde da última sexta-feira.
"Está quebrada, mas inteira. A
impressão é que quebrou, mas
continua inteira, continua uma
pessoa, uma vida, uma coisa. É reconhecer o valor das duas partes,
mesmo quebradas", disse Parkes,
que é consultor do St. Christopher's Hospice, em Londres, uma
instituição para pacientes fora de
possibilidades terapêuticas .
"Figura Quebrada", obra de
1975 do compatriota Henry Moore, materializou a teoria de Parkes
sobre a dor da perda, construída
durante mais de 50 anos.
Para Parkes, o luto é o preço que
se paga pelo amor, por uma vida
feliz. É assim que ele impulsiona
seus pacientes a não esquecer,
mas seguir com a boa lembrança.
Para ele, o luto é uma importante
transição, pode ser um momento
para recriar a própria história, diz.
"O apego é poderoso, e quando
o apego é quebrado, você se sente
exatamente assim. O que essa escultura capturou é que, ainda assim, é bonito", disse Parkes, que
desfrutava do único dia livre de
sua passagem na semana passada
pela capital paulista para o 3º
Congresso Brasileiro de Tanatologia [estudos sobre a morte] e
Bioética. O evento que terminou
ontem foi promovido pelo Instituto 4 Estações e por centros de
estudos sobre a morte e o luto da
Pontifícia Universidade Católica e
da Universidade de São Paulo. O
evento foi tão procurado que começou com lotação esgotada.
Veja a seguir outros trechos da
entrevista concedida à Folha.
Folha - Por que o senhor escolheu
trabalhar com o luto?
Colin Murray Parkes - Muitas
coisas diferentes contribuíram
para isso. Uma delas foi meu descontentamento com a forma como alguns médicos tratam seus
pacientes. Mesmo quando eu era
um jovem estudante de medicina,
era interessado em psicologia, tinha vontade de estudar os fatores
de estresse dos pacientes e ajudá-los nesses momentos decisivos,
quando você se depara com as
perdas ou fica doente.
Eu vejo a morte e o luto como
parte dos eventos que mudam a
vida, o que inclui a perda, que
sempre traz um elemento de ganho. O nascimento de um bebê
pode ser muito traumático, dolorido, pode ser uma perda também, em alguns pontos de vista, e
é ainda um ganho tremendo. A
parte recompensadora de trabalhar com pessoas que estão vivendo o luto é vê-las crescer. Eu acho
que uma das coisas que o luto ensina é que as pessoas que amamos
nunca perdemos. Elas são parte
da nossas vidas para sempre.
Quando alguém diz "ele vive em
minha memória", isso é verdade.
O problema é que, no primeiro
momento em que se perde alguém, sente-se que todas as coisas
boas que vieram com essa pessoa
se perderam também. Só quando
a pessoa pára de tentar recuperar
é que percebe que nunca perdeu.
Folha - Viver diariamente outros
lutos é doloroso para o senhor ?
Parkes - Claro que é. Mas a dor
do luto é igual à do nascimento,
como disse. É doloroso, mas algo
bom pode vir com isso. Você se
sente fraco, carente, mutilado,
acha que tudo o que é importante
foi embora. Mas a mesma pessoa,
talvez dois, três, quatro anos depois vai dizer coisas como "estou
surpreso sobre o quanto sou forte". Eles percebem que sobreviveram, que começaram a valorizar a
si mesmos e à pessoa que morreu
de uma nova maneira, que é mais
madura. Não estou sendo Pollyana, eu não espero que minha mulher morra. Mas não importa se
eu vou morrer antes dela ou ela
antes de mim. Quando isso acontecer, nós sabemos que poderemos continuar um sem o outro.
Folha - Alcançar isso independe
de uma crença religiosa?
Parkes - Eu diria que isso é parte
de um lado espiritual. Porque espiritualidade é achar um sentido
na vida, qualquer que seja a linguagem que você utiliza para explicar esse significado. Muitas
pessoas gostam da linguagem de
Deus. Quando trabalhamos com
pessoas que vivem o luto estamos
fazendo o que os padres fazem,
tentando ajudá-las a achar um
novo significado.
Folha - O senhor afirma em seu livro que o luto é o preço que pagamos pelo amor, por termos aceitado compromissos em nossas vidas.
O luto é inerente a uma vida feliz?
Parkes - Não há dúvida de que o
luto é a experiência psicológica
mais dolorosa que qualquer pessoa irá viver, e, quanto maior é o
amor, maior é essa dor. Não há
dúvida, o luto é um preço que temos de pagar. Algumas pessoas
acham seu luto tão doloroso que
ficam com medo de amar novamente. Mas o preço vale a pena.
Folha - É possível educar para o
luto?
Parkes - Isso certamente ajuda.
As perdas são inevitáveis na vida.
Perdas que podem ser de uma boneca ou de uma pessoa. E os pais
devem aproveitar essas oportunidades para ajudar as crianças a
aceitar que a perda é parte da vida.
Eu estava dirigindo com minhas
filhas no carro uma vez -elas tinham cinco, três e dois anos de
idade- e uma delas viu um gato
morto. Eu parei e disse: vocês
querem ver? Começou um debate
[risos]. Elas decidiram que sim e
eu dei permissão. Ainda bem que
o gato não estava em um estado
tão ruim [risos]. Mas conversamos sobre o que aconteceria com
ele. Eu disse que um dia poderia
virar adubo, que faria mais flores
bonitas crescerem em um jardim.
Alguns dias depois a mais nova
perguntou: "Pai, o que vai acontecer com você quando você morrer?" Eu perguntei o que ela achava. "Adubo!", ela respondeu.
Folha - O senhor fala de outros lutos, que existem mesmo quando
não há a morte.
Parkes - Um exemplo é se sua
mulher ou seu marido tem o mal
de Alzheimer, uma demência. Ela
se torna uma pessoa diferente, infantil, insensível. Você lamenta
pela pessoa que perdeu. Algumas
pessoas conseguem superar isso,
lembrar como a pessoa era.
É assim também com a mãe,
que sempre espera uma criança
perfeita e tem um bebê com uma
deficiência física. Algumas irão
rejeitar essa criança.
Se você puder ajudar essas pessoas em seu luto, elas poderão
chegar à conclusão de que sim, é
muito triste, mas que podem
amar de uma maneira diferente e
até mais forte. Sim, e pode haver
luto mesmo se você perder o que
nunca teve. É o caso de alguém
que sempre quis se casar e o noivo
abandonou antes da cerimônia.
Folha - Como as políticas de saúde devem lidar com a morte? No
Brasil a criação de regras para a
manutenção de terapia intensiva
gerou acusações de que o governo
queria um holocausto. A mesma comoção que há sobre a eutanásia.
Parkes - É uma decisão muito
difícil. Há muitas pessoas envolvidas. Não é só a questão sobre se o
sofrimento justifica uma autorização para que o paciente morra.
Mas como irá afetar pais, irmãos.
Sim, sabemos que há as questões
econômicas. Se bloqueio este leito, outras cinco pessoas irão morrer. Não há resposta simples. Essa
questão não tem que ser decidida
na base do "não matarás", ou de
preconceitos, mas em um contexto em que todas as variáveis têm
que ser levadas em conta, incluindo familiares e políticas de saúde.
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