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PASQUALE CIPRO NETO
"O ritmo dos pingos a(o) cair no chão..."
Em "Leia as informações a seguir", por exemplo, temos algo equivalente a "Leia as informações que seguem"
NO CARRO QUE ME levou pela
verdíssima estrada que liga
Ribeirão Preto a Franca, para mais uma conversa com estudantes e professores, ouvi a doce voz de
Fernanda Takai: "O ritmo dos pingos ao cair no chão só me deixa relembrar...". É um trecho de uma música que fez um sucesso danado com
Demetrius (que saudade!!!).
Estranhei o "ao cair do chão".
Sempre cantarolei essa música do
mesmo jeito que acho (ou achava)
que Demetrius a cantava, ou seja, "a
cair" ("O ritmo dos pingos a cair...").
Pois fui ao site dele e vi que na letra
lá transcrita está "ao cair no chão".
Ainda não pude "reouvir" a canção
com Demetrius para "ver" se ele diz
mesmo "ao cair" ou "a cair".
Antes que alguém pergunte qual
das duas é a correta, digo que o que
importa é perceber o que diferencia
um procedimento do outro. Em
"Leia as informações a seguir", por
exemplo, temos algo equivalente a
"Leia as informações que seguem".
É nesse caso que parece encaixar-se
o de "pingos a cair no chão" ("pingos
que caem/que estão caindo...").
E em "ao cair no chão"? Temos aí
algo semelhante ao que se vê em avisos como "Ao sair, apague a luz", em
que "Ao sair" equivale a "Quando
sair". No caso da canção de Demetrius, "ao cair" equivaleria a "quando
caem" ("O ritmo dos pingos, quando
caem no chão, só me deixa...").
Aí pode começar outra discussão:
ao cair ou ao caírem? Se não tivéssemos "o ritmo dos pingos", mas simplesmente "os pingos", poderíamos
ter algo como "Ao caírem no chão, os
pingos só me deixam relembrar..."
ou "Os pingos, ao caírem/cair no
chão, só me deixam relembrar...".
Mas no texto não temos "os pingos",
e sim "o ritmo dos pingos".
Vamos ampliar essa conversa.
Quando a oração que tem o verbo no
infinitivo é anteposta (como no primeiro exemplo), convém, por clareza, flexionar o infinitivo: "Para tratarem do caso, eles irão a Brasília"; "Ao
chegarem à UTI, os médicos viram
muita sujeira". Se alterássemos a ordem, o infinitivo não precisaria ser
flexionado: "Eles irão a Brasília para
tratar/tratarem do caso"; "Os médicos viram muita sujeira ao chegar/
chegarem à UTI".
Nos casos vistos, o sujeito do infinitivo é igual ao do verbo da oração
principal. Sem a flexão do infinitivo,
enfatiza-se o processo verbal. Em
"Os artistas foram a Brasília para
discutir o caso", há ênfase para o
processo de discutir. Em "Os artistas foram a Brasília para discutirem
o caso", há ênfase sobre o agente do
processo ("os artistas"). Não custa
repetir: se a oração infinitiva é anteposta, o infinitivo costuma ser flexionado ("Para discutirem o caso, os
artistas foram a Brasília").
Voltando à canção, o leitor já percebeu que, com "ao cair/caírem",
não é possível fazer o mesmo jogo?
Vejamos: que tal "Ao cair/caírem no
chão, o ritmo dos pingos..."? Ué?!
Quem cai? O ritmo? Parece que essa
construção não funciona. Quem cai
são os pingos, e o que me deixa relembrar é o ritmo dos pingos. Para
ser preciso, seria necessário dizer algo como "Ao caírem, os pingos produzem um ritmo que só me deixa relembrar..." ou "Os pingos, ao caírem/cair, produzem um ritmo que
só me deixa...". Rebarbativo, não?
No fundo, acho que sempre cantarolei "a cair" porque essa me parece
ser a forma que melhor traduz o que
se quer dizer. E relembremos a voz
grave e doce de Demetrius: "O ritmo
dos pingos a(o) cair no chão, / só me
deixa relembrar / Tomara que eu
não fique a esperar em vão...". É isso.
inculta@uol.com.br
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