São Paulo, sexta-feira, 01 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SAÚDE

Levantamento da USP em São Paulo mostra que carentes pagam por medicamentos porque distribuição oficial não cobre demanda

Remédio gratuito não chega a bairros pobres

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O aposentado José Severino da Silva com as filhas Valéria (esq.) e Vanessa; ele pagou por remédios


FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois de passar por oito postos de saúde da zona leste de São Paulo, no início deste mês, em busca de dois medicamentos contra a asma, para as suas duas filhas, o aposentado José Severino da Silva, 57, desistiu: fez um empréstimo de R$ 30 com o sobrinho e comprou os remédios. "Não achei nenhum. Tá uma desgraça."
Segundo um estudo em andamento na Faculdade de Medicina da USP sobre consumo de serviços de saúde na cidade de São Paulo, a saída de Silva é a mesma de outros locais das periferia: mesmo em distritos pobres, não é nos postos ou no hospital do SUS (Sistema Único de Saúde) que as pessoas conseguem os medicamentos de que precisam; a maior parte tira do próprio bolso.
"Se tivesse de graça, por que as pessoas iriam comprar"?, questiona Paulo Elias, professor do Departamento de Medicina Preventiva da faculdade e coordenador da pesquisa. "A grande razão é que, se isso estivesse nos postos, a compra seria menor."
A pesquisa foi feita a partir do mapa de distribuição do Programa de Saúde da Família (PSF) da cidade, uma estratégia de saúde básica em que equipes com médico, enfermeiro, auxiliares e agentes comunitários vinculados a um posto de saúde cuidam de grupos de famílias.
O levantamento é do início do segundo semestre do ano passado, ainda gestão de Marta Suplicy (PT). Mas, até agora, na administração José Serra (PSDB), nenhuma medida conseguiu reverter a situação em grande escala, como reconhece o secretário-adjunto de Saúde, Ailton de Lima Ribeiro.
"É um sistema ineficiente. Muitos postos ainda encaminham uma relação manual dos medicamentos", afirmou Ribeiro. A melhoria do sistema de distribuição de remédios era uma das principais promessas de Serra durante a sua campanha eleitoral.
Segundo a secretária da Saúde, Maria Cristina Cury, hoje pode demorar até 20 dias para a secretaria enviar um remédio do almoxarifado central de medicamentos para os postos de saúde.
Se não houver medicamento no estoque do almoxarifado, e uma compra for necessária, a espera pode chegar a dois meses, reconhece. As farmácias da prefeitura distribuem um total de 200 itens.
O levantamento abrangeu pacientes de quatro distritos atendidos pelo PSF -Cidade Líder (zona leste), Parelheiros (zona sul), Pirituba (norte) e Pinheiros (oeste). Falta ainda a apuração dos dados da Saúde (zona sul) e do Tucuruvi (zona norte).
De acordo com a pesquisa, em Cidade Líder, por exemplo, onde a renda familiar média dos entrevistados era R$ 832 e metade dos entrevistados não fazia parte da população economicamente ativa, 79,2% dos entrevistados disseram que os medicamentos utilizados continuamente -aqueles para tratamento de pressão alta, por exemplo- eram adquiridos em farmácias.
Quando o avaliado era o acesso aos remédios em geral, em 64,7% dos casos eles tinham sido adquiridos com recursos próprios.
Em Parelheiros, zona sul, a situação não era muito diferente. A renda familiar média era de R$ 735,90, 25% dos integrantes da população economicamente ativa estavam desempregados, 17,9% declararam que faziam "bicos". A maior parte dos remédios de uso contínuo era obtida gratuitamente. Mas, em relação a outras medicações, em 61,1% dos casos os remédios eram custeados pelos próprios entrevistados.
Dados reunidos recentemente pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para um artigo sobre gastos em saúde mostram que a situação não é muito diferente no restante do país. As despesas com medicamentos ocupam o primeiro lugar entre os gastos com saúde das famílias, segundo dados oficiais do IBGE. E os mais pobres são justamente os que mais tiram do bolso para adquirir remédios.
"Não é problema só de São Paulo ou deste governo. É um problema crônico. No país, sempre foi entendido que o brasileiro deveria assumir o financiamento do remédio", conclui Elias.


Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: A pesquisa: Levantamento foi feito em áreas mais excluídas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.