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WALTER CENEVIVA
Entre inocentes e criminosos
Hoje, o povo tem clara consciência da aplicação discriminatória da lei, até pelas tradições do direito
PROPONHO À leitora-cidadã e ao
leitor-cidadão a seguinte pergunta, relacionada diretamente com o direito: qual a situação
que você considera mais grave, a de
manter preso um inocente ou a de
soltar o acusado de um crime? Antecipo que, se sua escolha foi precedida por um hesitante "depende do caso", saiba que sua resposta vem com
uma violação constitucional, a ser
esclarecida ao fim.
Na comunicação de massa, sobretudo a eletrônica do rádio e da televisão (já não falo dos blogs da internet), as referências pessoais, divulgadas instantaneamente a milhões
de pessoas (interessadas e não interessadas no assunto), fazem heróis e
delinqüentes em frações mínimas
de tempo. Mais do que no passado,
quando a comunicação era quase exclusivamente de pessoa a pessoa.
Agora a notícia e os comentários dos
meios de comunicação social são capazes de gerar heróis e criminosos.
Podem até transferir os primeiros
para a categoria dos segundos, mas o
processo inverso não será possível.
Quando as denúncias, ainda que
falsas, se tornarem públicas, a reversão integral será inviável. Repete-se
a velha história daquele pai que,
querendo dar uma lição ao filho,
mandou que espalhasse ao vento as
plumas leves de um travesseiro. Depois lhe determinou que as recolhesse, uma por uma. Quando o filho
afirmou a impossibilidade dessa
missão, seu pai lhe explicou: "Pois
saiba que a maledicência e a informação ruim transmitida a respeito
de uma pessoa têm natureza igual à
pluma. Uma vez lançada, não há modo de recompor integralmente a situação anterior".
Volto à Constituição, na qual há
um dispositivo dificilmente compreendido e pouco aceito pela comunidade. Está no inciso 57 do artigo 5º. Nele se lê que "ninguém será
considerado culpado até o trânsito
em julgado da sentença penal condenatória". Assim é porque a Carta
Magna presume a inocência de todas as pessoas, até prova em contrário. No conturbado universo em que
vivemos, acredita-se muito nos
meios à disposição dos poderosos
para ocultar ou distorcer a verdade.
Seu sub-produto é a crença firme
em tudo o que se diz de mal a respeito dos outros.
Além desse lado, há, com ofensa
ao direito à vida e à honra das pessoas, a questão dos graus de culpa ou
dolo nas condutas ilícitas. Na avaliação desses graus entram os advogados. Quem tenha um bom advogado,
tende a receber punição mais branda em relação a quem não disponha
de meios econômicos para sua defesa. O processo criminal do réu pobre
corre mais rápido que o do delinqüente (ou inocente) abonado. Hoje, o povo tem clara consciência da
aplicação discriminatória da lei, até
pelas tradições do direito. No passado, as próprias leis penais distinguiam certas penas aplicáveis aos
desprovidos de meios pouco parecidas com as penas dos providos, de
dignidades pessoais, dos nobres, dos
militares e dos religiosos. Até a gradação da pena (da prisão à morte) tinha variáveis conforme o "status", a
condição social dos envolvidos.
Em tudo uma conclusão triste:
sempre foi assim. A certeza dessa
circunstância não nos exime, não
nos dispensa de lutar para corrigi-la,
ou, ao menos, para melhorar a aplicação da justiça oficial, por mais deficiente, omissa e lenta que esta seja
e continue a ser.
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