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Nas redações, estudantes narram dias de Iraque no Rio
Alunos das imediações do complexo do Alemão relatam, no papel, a rotina dos confrontos
"Fiquei com medo de a bala perdida me achar", escreve com bom humor um dos jovens de 14 a 17 anos da rede pública da região
MÁRCIA BRASIL
DA SUCURSAL DO RIO
Dois meses de rajadas de metralhadoras, tiros de fuzis, explosões, gritos de dor, desespero, o medo em cada esquina.
Com papel e caneta, alunos
das escolas públicas nas imediações do complexo do Alemão (zona norte do Rio) relataram suas notícias do "front" do
combate da polícia a traficantes, que já provocou 44 mortes
(19 só na quarta-feira) e deixou
ao menos 71 feridos.
São jovens entre 14 e 17 anos
que descrevem -nas redações
que produziram para as escolas
onde estudam- sua visão particular da guerra travada na sua
vizinhança: "A Penha [um dos
cinco bairros do complexo] parecia o Iraque", "Thursday
bloody thursday"(quinta sangrenta, numa referência à música "Sunday Bloody Sunday"
do grupo irlandês U2, que narra
um domingo idem); "melhor
ter fé do que ver o "caveirão'".
Os relatos transbordam inconformidade, mas alguns arriscam até tiradas bem-humoradas: "Fiquei com medo de a
bala perdida me achar", escreve
um deles em uma das 50 redações às quais a Folha teve acesso sob compromisso de não revelar os autores.
"Não podia me dedicar totalmente à prova por causa do barulho dos tiros", testemunha
um dos jovens. "As comunidades sofrem com a violência, milhões foram gastos com o Pan,
em vez de gastar com a segurança do Estado", critica outro.
A proximidade com a criminalidade e a desconfiança em relação às forças de segurança do
Estado também é relatada. "Eu
tenho mais medo de polícia do
que do bandido. Bandido eu vejo todos os dias."
Há acusações de violência
policial. "Soube que colocaram
um menino dentro do tal "caveirão", onde foi espancado e
depois solto", testemunha um
adolescente. "Eu soube de um
garoto morto na laje ao subir
para ver a caixa-d'água metralhada; acharam que ele era traficante", declara outro.
Os alunos também revelam a
preocupação com o prolongamento do conflito.
"O que mais choca é que
quem sofre mais somos nós, os
inocentes." Ou: "Estou cada
vez mais traumatizado... e isso
está acontecendo freqüentemente; estou com medo até de
vir estudar".
Os detalhes remetem a um
diário de guerra: "Quinta-feira,
dia 3/5/07, acordei às 6h como
sempre. Mas agora, em vez do
barulho do despertador, ouvi
helicópteros sobrevoando o
morro. Passei o dia todo em casa escutando tudo o que acontecia e me sentindo na Segunda
Guerra Mundial."
A religiosidade é uma das saídas para parte dos alunos para
suportar os efeitos do conflito.
"Necessito mais de fé e de coragem para viver e ouvir todo esse confronto." Mas há quem
defenda soluções mais terrenas: "A gente não pode ficar esperando a ajuda dos céus. A
mudança tem que começar por
nós mesmos".
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