São Paulo, domingo, 01 de julho de 2007

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Cidade tenta unir pais e filhos com fotos

Imagens e vozes gravadas evitam que crianças se esqueçam de agricultores que ficam 8 meses longe de casa

VERIDIANA SEDEH
ENVIADA ESPECIAL A ARAÇUAÍ (MG)

O marido de Maílsa Fernandes, 22, não acompanhou a gestação da filha, Júlia, hoje com sete meses. Provavelmente não verá seus primeiros passos. Ele foi para o corte de cana quando Maílsa estava no primeiro mês de gravidez e só voltou uma semana antes do parto. Em junho, retornou ao canavial. Assim como ele, 2.000 homens deixaram Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha (MG), neste ano rumo a usinas de cana-de-açúcar em São Paulo, segundo dados do Sine (Sistema Nacional de Empregos). Mesmo sem incluir trabalhos clandestinos ou em outros Estados, essa cifra já corresponde a cerca de 20% dos homens com mais de 18 anos -idade mínima para as usinas-, segundo dados da ONU de 2000. O próprio Sine admite que o número deve ser bem maior. Quando voltam, após oito meses, esses pais já foram esquecidos pelos filhos. Para manter o vínculo das famílias, a americana Emma Raynes, 25, envia, há um mês, fotografias das crianças para plantações de cana. Com isso, ela espera que os pais acompanhem, de longe, o desenvolvimento dos filhos. O trabalho também é feito com quem fica. Desde fevereiro, Emma fotografa famílias e grava mensagens de pais em CD para que as crianças mantenham contato com a figura paterna. "Vou mostrar sempre a foto do pai para que ela não se esqueça dele", diz Maílsa. Para fazer o trabalho, Emma recebe apoio de uma fundação holandesa, que também financia um projeto da ONG CPCD (Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento) com grávidas e filhos de cortadores. Sair de casa rumo aos canaviais é destino também dos jovens de Araçuaí. Eles anseiam pela maioridade por acreditarem que o trabalho nas usinas seja um dos únicos meios de adquirir bens. "Meu filho de 15 fala que está doido para completar 18 anos para ir para o corte", diz Valdenice Maria Alves, 35. Ângela Maria Moreira, 46, diz que um de seus cinco filhos afirma: "Você não tem condições de dar o que eu quero. Até comida, às vezes, você não pode dar". O produto mais cobiçado hoje em Araçuaí é a moto. "De uns cinco anos para cá, virou uma febre. Primeiro foi o relógio, depois, o som. Agora é a tal da motocicleta", relata Celso Silva, 47, que já foi cortador de cana e trabalhou na Secretaria Municipal de Agricultura. Pela falta de oportunidades de emprego, alguns jovens se desinteressam pelos estudos. "Quando digo para meu filho de 11 anos estudar, ele responde "estudar para quê? Sei que vou para o corte. O pai sempre foi"", relata Rosalina de Jesus, 30. O trabalho nas usinas nem sempre corresponde às expectativas. Ângela diz que seus filhos reclamam que ganham pouco -menos de R$ 8 por dia.


VERIDIANA SEDEH participou do 43º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, que foi patrocinado pela Philip Morris Brasil e pela Odebrecht

NA INTERNET - Áudio do projeto que une pais e filhos, música do coral de meninos, galeria de fotos, textos sobre outros projetos de Araçuaí http://www.folha.com.br/071805


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