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ANÁLISE
Percepção sobre gorjeta pode mudar
HÉLIO SCHWARTSMAN
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Por que damos gorjeta? A
resposta a esse problema não é
trivial e já mobilizou diferentes
escolas de economistas.
Diz a lenda que, originalmente, clientes satisfeitos com os
serviços oferecidos recompensavam o prestador saindo com
ele para juntos molharem a
garganta -daí que, em português, "gorjeta" vem de "gorge",
o termo francês para "garganta". A mesma ideia se repete
nas palavras francesa e alemã
para designar a prática: "pourboire" (para beber) e "Trinkgeld" (dinheiro da bebida).
Partindo do pressuposto de
que apenas hábitos que promovem a eficiência são conservados, economistas de correntes
mais clássicas como Kenneth
Arrow (Stanford) postularam a
tese de que a gorjeta é uma excelente forma de os patrões
controlarem a qualidade dos
serviços prestados por seus
funcionários: se estes obtêm
boas gratificações é porque estão agradando aos clientes.
Essas teorias, entretanto,
apresentam dificuldades. Para
começar, elas não explicam diferenças entre países. Enquanto nos EUA a gorjeta é uma instituição fortíssima -um negócio de US$ 5 bilhões anuais-,
na Austrália e na Nova Zelândia
ela é vista com desconfiança,
como "coisa de americano".
As abordagens clássicas tampouco explicam por que o freguês deixaria voluntariamente
a gratificação -em especial
quando ele sabe que nunca
mais vai voltar ao local.
Esses e outros problemas levaram economistas comportamentais como Ted O'Donoughue (Cornell) e Ofer Azar
(Ben-Gurion) a propor um modelo alternativo, no qual a gorjeta é descrita também como
uma norma social. O freguês
pagaria um preço ao infringi-la.
Quando o cliente sai de barriga cheia do restaurante sem
deixar a caixinha, não apenas
prejudica sua reputação externa (todos gostamos de parecer
generosos), como também perde pontos na autoimagem. A
atitude é vista como uma violação a conceitos que já internalizamos, em especial o de justiça.
O risco de propostas como a
que agora tramita no Congresso é que elas provoquem mudanças de percepção. Se as pessoas passarem a ver a gorjeta
como menos justa -o projeto
explicita a apropriação de parte
dela pelos patrões-, poderão
simplesmente abandonar a
prática. Eu, pelo menos, só deixava a caixinha devido à crença,
ingênua, agora eu sei, de que os
empregados ficavam com tudo.
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