São Paulo, domingo, 01 de agosto de 2004

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ESTRANHO NO NINHO

Sem emprego e sem família, Fabiano do Carmo Oliveira diz estar tentando entender o país em que nasceu

Brasileiro é adotado e abandonado nos EUA

André Sarmento/Folha Imagem
Fabiano do Carmo Oliveira, 29, de volta ao Brasil após viver 18 anos nos EUA com uma família que só queria adotar uma menina


FERNANDA FERNANDES
DA REPORTAGEM LOCAL

Fabiano do Carmo Oliveira, 29, é brasileiro, mas voltou ao país onde nasceu há apenas oito meses, depois de viver por 18 anos nos Estados Unidos. Em novembro do ano passado, ele foi pego pela polícia norte-americana usando drogas. Como já havia cometido outros crimes, foi deportado, apesar de ser filho adotivo de uma família norte-americana.
Hoje, Oliveira é abrigado por uma ONG que tem sede no Brás (zona central de São Paulo), não fala português, não tem emprego e tentou morar com seu irmão biológico, mas não se adaptou.
Carrega na mochila várias fotos do filho de cinco anos e espera poder reencontrá-lo um dia.
Quando tinham nove anos, ele e sua irmã gêmea viviam em um orfanato em São Paulo e foram adotados por um casal de norte-americanos. Ele conta que as pessoas do orfanato em que vivia no Brasil diziam: "A América é tudo".
Na verdade, a família queria adotar apenas a menina, mas a Justiça brasileira só permitiu a adoção dos irmãos juntos.
Por "problemas de adaptação", Oliveira não ficou com o casal que o adotara. Em vez disso, viveu em instituições e com mais duas famílias até ser definitivamente adotado aos 14 anos.
Nessa família, o brasileiro conviveu com mais três irmãos- também adotados. Ele estudou e conseguiu se formar no ensino médio norte-americano.
Em 1996, Oliveira se envolveu numa briga por ciúmes de uma ex-namorada -a mãe de seu filho- e acabou sendo preso.
Quando saiu da prisão, tentou voltar a viver na casa dos pais, do irmão adotivo e da irmã gêmea. Em todas as tentativas, no entanto, a convivência tornou-se difícil, segundo ele contou.
Depois disso, o brasileiro mudou-se do Estado de Minnesota para a Califórnia, onde foi preso e enviado de volta para o Brasil.

Desenraizado
Segundo a assistente social da ONG Arsenal da Esperança -entidade que acolheu Oliveira- Maria Isabel Del Pozo, falta um apoio psicológico para ele tentar reestruturar a vida aqui no país.
"Isso que foi feito com ele é muito perverso. O Estado devolve as pessoas num estado de confusão cultural", afirmou Del Pozo.
Oliveira disse que está tentando aprender o português e entender como o Brasil funciona. "Sou brasileiro, nasci no Brasil, mas também sou norte-americano. Foram 18 anos da minha vida."
Ele tem dificuldade em compreender como tudo isso aconteceu. "Eu sou filho adotivo de uma família norte-americana, não tem lógica eu não ficar nos Estados Unidos. Eu não entendo", disse.
Uma fonte diplomática acha muito difícil Oliveira voltar para os Estados Unidos, e o governo brasileiro não pode, nesse caso, interferir na soberania do Estado norte-americano.
A história, porém, não é única. A ONG que acolhe Oliveira recebeu, desde 2000, outras três pessoas na mesma situação, duas vindas da Itália e uma dos EUA. O caso mais conhecido foi o de João Herbert, que havia sido adotado por norte-americanos aos sete anos, foi deportado em 2000 por tentar vender maconha a um policial disfarçado e, depois de quatro anos no Brasil, foi assassinado, em Campinas, em junho, aos 26.

Antes e depois de Haia
Até 1993, não havia nada que regulasse a adoção internacional de crianças e adolescentes. Com a Convenção de Haia sobre Adoções entre Países, a situação jurídica dos adotados por estrangeiros se tornou mais segura.
Antes se aplicava apenas a lei do país onde o adotado ia viver. A Convenção de Haia prevê regras comuns de adoção entre os países que a ratificaram. Ela passou a ser válida no Brasil a partir de 1999. Atualmente 40 países utilizam essa lei como base para a adoção internacional.
Pela convenção, toda criança ou adolescente adotado por um estrangeiro terá, automaticamente, a nacionalidade do pai ou mãe adotante. O brasileiro adotado por um estrangeiro não perde, porém, a nacionalidade brasileira.
Segundo o juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, secretário da Cejai (Comissão Judiciária de Adoção Internacional-responsável pela habilitação dos casais estrangeiros), a convenção representa um avanço na proteção internacional dos direitos humanos das crianças e adolescentes.
Além disso, ele lembra que, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção por família estrangeira é a última opção e, quando realizada, prevê um período de adaptação de até 30 dias entre o casal e a pessoa adotada.
Gabriela Scheiner, diretora-executiva do CeCif, entidade que prepara casais para a adoção, afirma que, apesar das conquistas, é necessário ter cuidado.
"Quando as pessoas dizem que é maravilhosa a adoção internacional, é preciso ver o que se diz nas entrelinhas. Precisamos parar com esse neocolonialismo e construir possibilidades reais para as famílias brasileiras", disse.

As leis norte-americanas
Motauri Ciochetti de Souza, promotor da Vara da Infância e da Juventude do Ministério Público de São Paulo, afirma que antes da Convenção de Haia havia limitações aos adotados.
"Alguns países davam a condição de cidadãos, mas até completarem a maioridade ou se não cometessem delitos. Criavam limites à plenitude da adoção, que acabaram gerando essas situações que vemos hoje", disse.
Os Estados Unidos, apesar de terem assinado a convenção, não a ratificaram. Dessa forma, ela não produz efeitos jurídicos dentro do país.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, há duas situações possíveis naquele país para os estrangeiros adotados por casais norte-americanos.
Duas leis se combinam para interpretar casos como o de Oliveira. A primeira, válida até fevereiro de 2001, estabelecia que os pais deveriam pedir a naturalização do adotado até ele completar 18 anos.
A segunda, de 1996, prevê que, se um estrangeiro legal residente no país cometer um crime e for condenado a pena igual ou superior a um ano, ao sair da prisão, ele terá seu visto de permanência cancelado e será deportado para o seu país de origem.
Em 2001, entrou em vigor uma terceira lei que concede automaticamente a nacionalidade a crianças estrangeiras adotadas por pais norte-americanos. Essa lei é válida também para aqueles que foram adotados antes de 2001, mas que ainda não completaram 18 anos. Para quem é maior de 18 não há essa possibilidade.
"Um dado expressivo é que nos Estados Unidos estão as maiores associações defensoras dos direitos humanos que vivem nos acusando. É uma incoerência absurda", completa Ciochetti de Souza.
A Folha procurou o Consulado dos Estados Unidos em São Paulo, mas até a conclusão desta edição não havia recebido retorno.


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